CALL FOR PAPERS: MINIDOSSIÊ "POLÍTICAS DO ARQUIVO" JUN. - JUL. (2021)
Em A queda do céu, um xamã e porta-voz dos Yanomami, Davi Kopenawa, explica que seus pensamentos e palavras são antigos e são muitos, completando: “[porém], não precisamos, como os brancos, de peles de imagens para impedi-las de fugir da nossa mente. Não temos de desenhá-las, como eles fazem com as suas. Nem por isso elas irão desaparecer, pois ficam gravadas dentro de nós”. Essa afirmação evidencia, a partir de uma diferenciação epistemológica, a centralidade da palavra escrita e do registro na construção da memória e da história para as sociedades ocidentais. Nesse sentido, os arquivos são importantes peças na elaboração de saberes, adquirindo, muitas vezes, um status de prova. No entanto, de acordo com Achille Mbembe, o fim último da consulta a um arquivo está para além de sua materialidade, ela está na história que se permite contar a partir dele. Os arquivos não teriam nenhum sentido para além da experiência subjetiva daqueles que os consultam, e são essas experiências subjetivas que colocam limites no suposto poder do arquivo, na suposta verdade que conta. De certa forma, é essa subjetividade na percepção da memória que Kopenawa parece pôr em perspectiva em sua comparação.
Com efeito, acostumamo-nos a pensar o arquivo como aquilo que ele não é: papéis velhos, documentos cuja neutralidade garantiria comprovações necessárias aos estudos literários. Mas o incêndio do Museu Nacional, em setembro de 2018, o aparelhamento ideológico de instituições públicas como a Fundação Casa de Rui Barbosa, as restrições orçamentárias de órgãos de pesquisa, a suspensão do pagamento de bolsas de pesquisas são eventos que escancaram a dimensão política que atravessa o acesso aos arquivos. É possível pensar, a partir de Jacques Rancière, numa "partilha do sensível" que determina as condições objetivas de pesquisa, ou seja, convém indagar sobre "quem pode" acessar os arquivos "em função do que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce". Por outro lado, resta a percepção de que a pesquisa de arquivos, por vezes, depara-se com apostas pessoais frustradas, buscas malsucedidas, disputas entre herdeiros - entraves que, embora pouco mencionados, também dizem respeito às circunstâncias de circulação e apreensão dos arquivos e apontam para a importância da reflexão acerca da relação entre o sujeito que pesquisa e os objetos do conhecimento.
Tendo isso em vista, a proposta deste dossiê é pensar a política do arquivo, a tensão entre pesquisador & arquivo e os sentidos que se constroem a partir disso. Receberemos artigos que discutam:
- a história do arquivo;
- as facilidades ou dificuldades de acesso ao arquivo;
- a relação entre o pesquisador e o arquivo;
- o arquivo como construção de uma narrativa anti-hegemônicas
PRAZO DE SUBMISSÃO: 30/07/2021
Organizadores: Bruna Tella Guerra (SEDUC-SP) e Rafael Martins da Costa (IFRJ)