DO ABJETO COMO LUMPENPROLETARIAT: ESBOÇO DE UMA LEITURA LACANIANA DE MARX MEDIADA POR GEORGES BATAILLE
DOI:
https://doi.org/10.30611/33n33id94063Palavras-chave:
Lumpenproletariat, Abjeto, Bataille, Georges, 1897-1962, Marx, Karl, 1818-1883, Lacan, Jacques, 1901-1981Resumo
Diz Marx do proletariado que esse é o estamento social que é dissolução de todo estamento, que é a esfera social que constitui a perda total da humanidade e cuja condição de emancipação é o reganho total dessa humanidade (Crítica da filosofia do direito de Hegel). Por outro lado, caracteriza um Lumpenproletariat, ‘putrefação passiva das camadas mais baixas da velha sociedade’, como, de todos os aliados possíveis, o pior; canalha perfeitamente venal e inteiramente importuna, cuja condição de vida predispõe mais a servir de capanga às forças da reação (Manifesto Comunista). No mesmo século, imagem análoga a essa aparece registrada em jornais e relatórios policiais, onde as “classes da desordem” são caracterizadas como compostas de seres sem escrúpulos, dotados de apetites sexuais exagerados, usando de todos os subterfúgios e não recuando diante de nenhum meio que lhes sirva para ganhar dinheiro. Caracterização que, do alto das forças de coesão/coerção do ordenamento social, opera a identificação da escória social ao proletariado, tomando a prostituta como irmã natural da revolta e ligando numa mesma ordem de sentido os inferninhos, o vício e as barricadas, como indicado por Alphonse Esquiros em Les Vierges folles. Essa intuição permite aproximar, em chave dialética, a posição do estamento que é dissolução de todo estamento à do baixo proletariado; dialética cuja chave se deixa pensar a partir do abjeto batailleano, como negativo que expõe – não apenas um nada, mas, numa negação mais profunda – um menos que nada como objeto-negação-do-objeto na abjeção. Considerada em sua radicalidade, a posição do objeto social abjeto – cuja não cessação da não inscrição, passando pela retorta dos processos de significação, mantém a fantasia da integração (social) – pode, num esforço de determinação expositiva, ser sustentada com o apoio da teoria da prática psicanalítica lacaniana acerca da estrutura do ato psicanalítico. Essa ancoragem permitirá elaborar uma leitura em que o lugar de objeto-abjeto da escória expõe, como núcleo obsceno da ordem social vigente, as condições de instituição da mesma por um ato mesmo de destituição.
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