EDITORIAL
DOI:
https://doi.org/10.30611/33n33id94044Resumo
A relação entre filosofia e literatura é tão antiga que, quase, poderiam ser considerados gêmeos como os Ibejis, orixás irmãos que enganam a morte em um jogo no qual um troca repetidamente de lugar com o outro (PRANDI, 2001, p. 368-377). Se Homero é considerado fundador da Literatura ocidental, seus versos figuram enquanto componentes das reflexões dos pensadores gregos seminais. Além disso, a forma literária muitas vezes serviu de veio para a mais genuína filosofia, como no jogo dos Ibejis. Isso se verifica em muitas obras filosóficas clássicas que fogem ao convencional da expressão sistemática tradicional: Parmênides se valeu da poesia; Platão escreveu diálogos com personagens conceituais, como Sócrates; Montaigne criou o gênero literário do ensaio; Nietzsche, Schopenhauer e Wittgenstein registraram seus pensamentos em aforismos (MARGUTTI, 2013, p. 32-33). Alguns historiadores da filosofia não veem inconsistência em incluir literatos no desenvolvimento da sua história das ideias. É o caso por exemplo da Rússia. Na sua história da filosofia russa, Zenkovsky inclui Tolstoi (1953, p. 376-399) e Dostoiévski (1953, p. 400-432). O filósofo alemão radicado francês também acomoda literatos entre pensadores da tradição enquanto possibilidades do discurso filosófico: Byron (2012, p. 243), Aldous Huxley (2012, p. 392, nota 5), Goethe (2012, p. 409, nota 3; p. 414, nota 4; p. 425, nota 7; p. 435, nota 9 e p. 593, nota 2). São alguns dos exemplos.
No Brasil, essa relação resplandece a figura do literato-filósofo, exemplos de expressão filosófica na forma literária. Entre esses literatos-filósofos estão Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa A figura do literato-filósofo é representativa do contexto latino-americano, enquanto uma característica dos povos ibéricos, o que sublinha, como no caso russo, a conexão entre filosofia e literatura (MARGUTTI, 2013, p. 12). Diversos são os trabalhos analisando a perspectiva filosófica presente nas obras de autores e autoras como Clarice Lispector (MARGUTTI, 2005, MURTA, 2011; DIDI-HUBERMAN, 2021), Guimarães Rosa (RANCIÈRE, 2021; AMARAL, 2019, 2016, 2011), Machado de Assis (MAIA NETO, 2021, 2016, 2007 A, 2007 B, 2005, MARGUTTI, 2007, NUNES, 1989) e Matias Aires (MARGUTTI, 2003).
Vêm para fortalecer esse entrelaçamento os artigos reunidos para compor o presente número especial da Revista Dialectus Dossiê Filosofia & Literatura [...]
Referências
AMARAL, R. A. P. Guimarães Rosa e Marcuse: a literatura como resistência política. Humanidades e Inovação, v.6, n.i, 2019, p. 130 – 135.
AMARAL, R. A. P. A questão do mal em Grande Sertão: Veredas: um diálogo entre Tomás de Aquino e o jagunço Riobaldo. Em tese, v. 22, n.1, 2016, p. 21 – 30.
AMARAL, R. A. P. A questão do narrador: Walter Benjamin e Guimarães Rosa. Revista Araticum, v. 4, n.2, 2011, p. 52 – 61.
DIDI-HUBERMAN, G. A vertical das emoções: as crônicas de Clarice Lispector. Belo Horizonte: Relicário, 2021.
MARGUTTI, P. História da filosofia do Brasil (1500 – hoje): 1ª parte: o período colonial (1500 – 1822). São Paulo: Edições Loyola, 2013.
MARGUTTI, P. Machado, o brasileiro pirrônico? Um debate com Maia Neto. Sképsis, n.1, 2007, p. 183 – 212.
MARGUTTI, P. A dialética da linguagem e do silêncio em Ludwig Wittgenstein e Clarice Lispector. Em MAC DOWELL, J. A.; YAMAMOTO, M. Y. (Orgs.): Linguagem & linguagens. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
MARGUTTI, P. Reflexões sobre a vaidade dos homens: Hume e Matias Aires. Kriterion, n. 108, 2003, p. 253 – 278.
MAIA NETO, J. R. A evolução cética da filosofia na ficção de Machado de Assis ao longo de quatro encontros na Rua do Ouvidor. Argumento – Revista de Filosofia, Fortaleza, ano 13, n. 25, jan-jun 2021, p. 102 – 116.
MAIA NETO, J. R. O desenvolvimento de uma visão de vida cética na ficção de Machado de Assis. In ROCHA, João Cézar de Castro (Org.): Machado de Assis: Lido e relido. São Paulo: Alameda Editoria/Editora UNICAMP, 2016.
MAIA NETO, J. R.. O ceticismo na obra de Machado de Assis. São Paulo: Annablume, 2007 A.
MAIA NETO, J. R. Machado, um cético brasileiro: resposta a Paulo Margutti e a Gustavo Bernardo. Sképsis, n.1, 2007 B, p. 212 – 226.
MAIA NETO, J. R. Machado de Assis: ceticismo e literatura. In: BERNARDO, Gustavo (Org.): Ceticismo e literatura. São Paulo: Annablume, 2005.
MURTA, M. Um Deus no tempo ou um tempo cheio de Deus. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
NUNES, B. Machado de Assis e a filosofia. Revista Travessia; Universidade Federal de Santa Catarina; n. 19, 1989, p. 7 -23.
PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
WEIL, E. Lógica da filosofia. São Paulo: É realizações, 2012.
ZENKOVSKY, V. V. A history of Russian philosophy: volume one. Nova Iorque/Londres: Columbia University Press/Routledge & Kegan Paul LTD, 1953.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2024 Judikael Castelo Branco, Roberto Antônio Penedo Amaral, Daniel Benevides Soares
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
- Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0), que permite o compartilhamento não comercial, sem modificações e com igual licença do trabalho, com o devido reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).