Revista de Psicologia, Fortaleza, v.14, e023030. jan./dez. 2023

DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.30

 

 

 

RECEBIDO EM: 14/07/2023

PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 13/11/2023

VERSÃO FINAL: 17/11/2023

APROVADO EM: 11/12/2023

 

Heterogeneidade na avaliação de pais e professores para sintomas de TDAH no SNAP-IV

Heterogeneity in Parents and Teachers’ Assessment for ADHD Symptoms on SNAP-IV

Eduardo de Souza Hashimoto

Faculdade de Apucarana, Paraná, Brasil. Mestre em Psicologia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1531-9116. Endereço: Faculdade de Apucarana, Coordenação do Curso de Psicologia - Rua Osvaldo de Oliveira, 600 Jardim Flamingos, Apucarana-PR CEP 86811-500. E-mail: eduardo@avivatalentos.com.br

 

Sofia Lira Chiodi

Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil. Mestre em Psicologia. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4284-0537. E-mail: sofialchiodi@gmail.com

 

Patrícia Silva Lúcio

Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil. Doutora em Psicologia. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7125-206X. E-mail: pslucio@uel.br

 

 

Resumo

Este estudo do tipo caso-controle objetivou comparar as avaliações de pais e professores de crianças com e sem diagnóstico de TDAH e investigar os indicadores de sensibilidade e especificidade do SNAP-IV. Participaram crianças entre 4 e 12 anos, 20 com diagnóstico de TDAH e 40 crianças sem diagnóstico (controle). Pais e professores avaliaram os sintomas de TDAH pelo SNAP-IV. Para analisar a concordância da avaliação foram utilizados coeficientes de correlação de Pearson, teste de qui-quadrado e coeficiente kappa de Cohen. A sensibilidade e especificidade foram analisadas por meio de curva ROC. Houve correlação alta entre as subescalas do SNAP-IV respondidas por um mesmo avaliador e correlação moderada entre avaliadores. Divergências na quantidade de sintomas avaliados por pais e professores foram observadas. O SNAP-IV apresentou sensibilidade suficiente para captar os casos verdadeiros positivos sem captar muitos falsos negativos, sendo que esses resultados foram corroborados pela análise das curvas ROC (0,78-0,96). A análise de concordância da avaliação de pais e professores dos sintomas de TDAH indicou diferenças quantitativas e não qualitativas entre os avaliadores. Esses resultados estão em consonância com os estudos que apontam evidências de validade do SNAP-IV para o rastreio de sintomas de TDAH.

Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade; SNAP-IV; concordância entre avaliadores; curva ROC.

 

 

Abstract

This case-control study aimed to compare the evaluation of parents and teachers of children with and without a diagnosis of ADHD, and to investigate sensitivity and specificity indicators of the SNAP-IV. Children between 4 and 12 years old participated, 20 with ADHD diagnosis, and 40 without a diagnosis (controls). Parents and teachers rated the ADHD symptoms using the SNAP-IV. To analyze the agreement of the evaluation, Pearson's correlation coefficients, chi-square test and Cohen's kappa coefficient were used. Sensitivity and specificity were analyzed using the ROC curve. There was a high correlation between the SNAP-IV subscales rated by the same evaluator and a moderate correlation between evaluators. Differences in the quantity of symptoms assessed by parents and teachers were observed. SNAP-IV showed sufficient sensitivity to capture true positive cases without capturing many false negatives, and these results were corroborated by the analysis of ROC curves (0.78-0.96). Agreement analysis of parent-teacher assessment of ADHD symptoms indicated quantitative rather than qualitative differences between raters. These results are in line with studies that point evidence of validity of the SNAP-IV for screening ADHD symptoms.

Keywords: Attention deficit hyperactivity disorder; SNAP-IV; inter-rater agreement; ROC curve.

 

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de um conjunto de sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade, persistentes e não apropriado ao nível de desenvolvimento do indivíduo (American Psychiatric Association [APA], 2023). O TDAH afeta cerca 5% na população global de menores de 18 anos (Polanczyk, Willcutt, Salum, Kieling, & Rohde, 2014), e acarreta importantes prejuízos no funcionamento pessoal, social e acadêmico ainda na infância (APA, 2023).

O diagnóstico da criança com TDAH geralmente é feito com base nos critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), sendo que a avaliação clínica dos sintomas deve incluir a entrevista com o paciente e os pais. O primeiro critério do DSM-5-TR (versão atual) para o TDAH considera o impacto de uma lista de sintomas sobre o funcionamento geral da criança, em pelo menos dois ambientes diferentes (APA, 2023). Para o levantamento dessas informações a utilização de escalas comportamentais tem se revelado útil no rastreio dos sintomas percebidos por pais e professores, que consideram respectivamente os contextos familiar e escolar (Rohde, Coghill, Asherson, & Banaschewski, 2019).

Dada a significância clínica do TDAH há necessidade de se construir escalas diagnósticas válidas e confiáveis que possam ser usadas para auxiliar e facilitar a identificação precoce, o efeito da intervenção, assim como riscos negativos potenciais (Shemmassian & Lee, 2012). Exemplos de escalas validadas para a população brasileira que investigam sintomas característicos do TDAH em crianças são o Child Behavior Checklist (CBCL, problemas de déficit de atenção e hiperatividade) e o Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ, sintomas de hiperatividade). Outros instrumentos têm como foco avaliar as dimensões do TDAH auxiliando o diagnóstico clínico, como a quarta versão da escala de Swanson, Nolan & Pelham (SNAP-IV) para crianças (Rohde et al., 2019).

O SNAP-IV é um instrumento destinado a avaliar a frequência e intensidade dos sintomas de TDAH apresentados pela criança, podendo ser respondido por pais e/ou professores. Os itens do SNAP-IV são baseados no DSM-IV (APA, 2002), cuja investigação psicométrica inicial foi realizada por Swanson e colaboradores (Swanson et al., 2001) e a versão brasileira foi sistematizada por Mattos, Serra-Pinheiro, Rohde e Pinto (2006).

O SNAP-IV tem sido amplamente utilizado na literatura e já foi traduzido e adaptado para diversos idiomas, como o chinês (Gau et al., 2008), norueguês (Ullebø, Breivik, Gillberg, Lundervold & Posserud, 2012) e o japonês (Inoue et al., 2014). Apesar disso, encontramos poucos estudos que reportassem as qualidades psicométricas de sensibilidade e especificidade do instrumento. Kieling e colaboradores (2014) encontraram uma área sob a curva ROC de 0,818 para crianças avaliadas pelo SNAP pelas professoras, encontrando concordância de 17 dos 18 verdadeiros positivos. Bussing et al. (2011) obtiveram valores aceitáveis de área sob a curva apenas para a escala de pais (desatenção = 0,72; hiperatividade/impulsividade = 0,76), com níveis abaixo do esperado para a escala de professores (desatenção = 0,61; hiperatividade/impulsividade = 0,58). Hall et al. (2019) encontraram melhores valores de sensibilidade para a escala de pais (1,0) do que para a de professores (0,965), apesar dos níveis satisfatórios para ambas. No Brasil, Costa, de Paula, Malloy-Diniz, Romano-Silva e Miranda (2019) obtiveram variações de 0,70 e 0,81 para a sensibilidade de 0,76 e 0,81 para a especificidade na avaliação de pais.

Embora pais e professores sejam comumente as principais fontes de informações na avaliação do TDAH, a concordância da opinião quanto aos sintomas apresentados pelas crianças pode ser variável. Em geral, as correlações entre escalas de pais e professores é moderada (Bussing et al., 2011), podendo ambos os avaliadores diferir no nível de atribuição de sintomas (King et al., 2018).

Considerando a relevância de estudos clínicos, que investiguem as propriedades psicométricas de instrumentos diagnósticos, além da consideração simultânea de diferentes fontes de informação nesse processo, o presente estudo apresenta dois objetivos principais, os quais serão alcançados por meio de um estudo do tipo caso-controle: primeiro, comparar as avaliações de pais e de professores de crianças com e sem diagnóstico de TDAH no SNAP-IV, i.e., determinar a concordância e os pontos de divergência entre os avaliadores; e, segundo, investigar as qualidades psicométricas de sensibilidade e especificidade do instrumento.

Método

Amostragem e amostra

O recrutamento da amostra ocorreu em parceria com um órgão de saúde e de educação vinculado à uma cidade do interior do Paraná. Para a composição do grupo clínico (crianças com diagnóstico de TDAH), o órgão forneceu uma lista contendo todas as crianças do município com diagnóstico psiquiátrico de TDAH (n = 26).

A partir desta lista inicial, foram excluídas 3 crianças que apresentavam comorbidades psiquiátricas (uma criança apresentava transtorno do espectro autista, outra apresentava transtorno de conduta e a outra deficiência intelectual). Após a aplicação desse critério de exclusão, os pais das crianças do grupo clínico foram contatados e convidados a permitir a participação de seus filhos na pesquisa. Todas as 23 crianças do grupo clínico e seus pais foram avaliados.

Com a composição do grupo clínico, foram convidadas as escolas, professores e alunos participar da pesquisa de modo a compor o grupo de controle. Os participantes do grupo de controle foram selecionados a partir de sorteio de crianças da mesma turma e do mesmo sexo das crianças do grupo clínico. Não foi possível obter a autorização da avaliação pela escola do grupo de controle para três crianças do grupo clínico, as quais foram, portanto, excluídas da amostra (as crianças cursavam nível estadual de ensino, o qual não se enquadra sob comando da autarquia municipal representada pelo órgão). O grupo de controle foi definido na proporção de 2:1, i.e., dois controles para cada criança com diagnóstico de TDAH.

No presente estudo, somente participaram aqueles que deram anuência por meio do Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da [suprimido] (CAAE: [suprimido], parecer: [suprimido]).

A amostra final foi composta por 20 crianças com diagnóstico de TDAH (grupo clínico) e 40 crianças sem diagnóstico (grupo de controle). As crianças cursavam, no momento da coleta, da Educação Infantil ao 6º ano do Ensino Fundamental. As idades variam de 4 a 12 anos (grupo clínico: média = 7,45, desvio-padrão = 1,99; grupo de controle: média = 7,50, desvio-padrão = 2,19), a maioria era do sexo masculino (grupo clínico: 63,9%, grupo de controle: 70,8%) e todas as crianças estavam matriculadas na rede de ensino municipal de Apucarana, exceto as crianças do 6° ano que eram de uma escola estadual (n = 3).

Procedimentos

Por esta pesquisa fazer parte de um estudo maior, que objetivou identificar perfis cognitivos e traçar comorbidades entre crianças com TDAH, transtorno do espectro autista e com desenvolvimento típico, foram aplicados diversos instrumentos aos pais, professores e às crianças. Esses instrumentos verificaram informações sobre os aspectos psicossociais, de saúde, socioeconômicas e comportamentais das crianças, bem como uma escala para identificação de sintomas de TDAH nos pais. As crianças adicionalmente responderam a outros instrumentos (p. ex., inteligência e memória de trabalho) que não serão tratados neste estudo. Serão descritos, nesta seção, apenas os instrumentos utilizados para os fins desta pesquisa.

Após a triagem das crianças que foram convidadas para participar do estudo, os pais foram contatados por meio telefônico pela equipe do órgão. A primeira etapa do procedimento com os pais envolveu uma reunião presencial, a qual ocorreu nas instalações do órgão. Nesse encontro, foi explicado o objetivo do estudo e os demais procedimentos que envolviam a participação das crianças, bem como foi solicitado a assinatura do TCLE daqueles que deram a anuência de participação na pesquisa. Posteriormente, os diretores das escolas foram contatados e os questionários foram enviados aos professores das crianças participantes da pesquisa. Aos pais que deram anuência, foi realizada a entrevista e aplicação do questionário SNAP-IV, juntamente a outros instrumentos. As entrevistas tiveram duração de 45 a 60 minutos e foram realizadas nas escolas, em horário conveniente aos pais. Todas as crianças do grupo (clínico e controle) foram avaliadas em suas escolas, em horário conveniente e em sala reservada pela administração. Só participaram crianças que deram anuência verbal para a realização das tarefas.

Instrumentos

Swanson, Nolan and Pelham Teacher and Parent Rating Scale (SNAP-IV).

Para a avaliação dos sintomas de TDAH dos participantes, foi utilizado a versão em português do SNAP-IV respondido por pais e professores. O SNAP-IV é composto por 18 questões divididas em duas subescalas, que investigam sintomas de desatenção (INA, itens de 1 a 9, p.ex.: “Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas”) e de hiperatividade/impulsividade (H/I, itens de 10 a 18, p.ex.: “Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira” e “Responde às perguntas de forma precipitada antes que elas tenham sido terminadas”) baseados nos critérios diagnósticos do DSM-IV. São quatro opções de resposta que estão distribuídas em uma escala tipo-Likert de frequência, sendo 0 - nem um pouco, 1 - só um pouco, 2 - bastante e 3 - demais. O escore é calculado a partir de uma somatória, variando de 0 a 27 pontos em cada subescala e um escore total de no máximo de 54 pontos. Para a correção qualitativa (ou seja, se a criança possui ou não sintomas característicos de TDAH), se considera se há pelo menos 6 itens marcados como “bastante” ou “demais” (a partir de 12 pontos) de 1 a 9 (desatenção) e/ou de 10 a 18 (hiperatividade e impulsividade). Se houver, então, a criança apresenta, respectivamente, mais sintomas de desatenção ou hiperatividade e impulsividade que o esperado. No tipo combinado, a criança apresenta os critérios para ambas as subescalas, simultaneamente.

É importante destacar que, apesar de os itens do SNAP-IV serem baseados nos critérios diagnósticos do DSM-IV, e atualmente a versão vigente do manual ser o DSM-V-TR, não houve mudanças qualitativas significativas nos critérios diagnósticos de uma versão para outra. As mudanças são referentes à idade de início do desenvolvimento do transtorno (limite de 7 para 12 anos de idade), classificação dos subtipos e também pelo fato de os transtornos pervasivos não serem mais critérios de exclusão (Dalsgaard, 2013). Estes aspectos mencionados não alteram de modo relevante os resultados do presente estudo, haja vista que a faixa etária de interesse é infantil, o diagnóstico psiquiátrico não especificou subtipos e foram excluídas crianças com comorbidade (intelectual ou autismo).

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio de estatísticas descritivas e inferenciais para variáveis quantitativas (contínuas) e qualitativas. Foram descritos valores de mínimo e máximo, média, desvio padrão. A fidedignidade das escalas foi investigada pelo alfa de Cronbach, utilizando-se como classificação: a ³ 0,90 excelente; 0,90 menor que a £ 0,80 bom; 0,80 menor que a £ 0,70 aceitável; 0,70 menor que a £ 0,60 questionável; 0,60 menor que a £ 0,50 pobre; a menor que 0,50 inaceitável (Salkind, 2015). Coeficientes de correlação de Pearson (r) foram analisados para verificar a associação entre as avaliações de pais e professores nas subescalas (desatenção e hiperatividade/impulsividade) e no escore total do SNAP-IV. Para investigar diferenças nas médias das subescalas e do escore total foi executada uma análise de variância para medidas repetidas (ANOVA), tendo como fator geral o avaliador (pais ou professores), e fator entre sujeito o grupo (clínico ou de controle). Para analisar diferenças na classificação diagnóstica avaliada por pais e professores foi utilizado teste de qui-quadrado (χ²), e o coeficiente kappa de Cohen (κ) foi utilizado para verificar a concordância. Por fim, a sensibilidade (verdadeiros positivos) e a especificidade (verdadeiros negativos) do SNAP-IV foram verificadas por meio de Curva ROC. Foram avaliadas a área sob a curva para cada subescala e escala total e avaliador. As análises foram realizadas por meio do SPSS versão 23.0. Foram considerados significativos comparações com p ≤ 0,05.

Resultados

As subescalas do SNAP-IV apresentaram índices satisfatórios de consistência interna (alfa de Cronbach) conforme a avaliação de pais (INA = 0,932; H/I = 0,885) e professores (INA = 0,930; H/I = 0,918). A Tabela 1 apresenta as correlações entre as avaliações de pais e professores no SNAP-IV. As correlações por um mesmo avaliador foram altas, sendo maiores para os professores (0,780 menor que r menor que 0,950) do que para os pais (0,738 menor que r menor que 0,941). As correlações entre avaliadores foram de moderadas a altas, sendo a menor entre as subescalas de INA-professores e H/I-pais (r = 0,408) e a maior entre as subescalas de INA-pais e professores (r = 0,725).

As estatísticas descritivas das subescalas e do escore total do SNAP-IV nas avaliações entre pais e professores estão na Tabela 2, assim como as comparações entre as médias dos grupos clínico e de controle. Houve efeito geral do avaliador em todas as subescalas e os valores de média mostram que os pais atribuíram mais sintomas do que os professores. Entretanto, não houve interação do fator avaliador com o fator grupo, demostrando que as diferenças de atribuição de sintomas são apenas quantitativas (i.e., os pais não atribuem mais sintomas do que seria esperado para o grupo TDAH, a partir da atribuição que fazem para o grupo de controle).

A Tabela 3 apresenta a classificação dos sintomas de TDAH no SNAP na avaliação de pais e professores para as crianças dos grupos controle e clínico. Esta análise teve por objetivo avaliar se pais e professores concordam em termos da presença/ausência de TDAH nesses grupos. Assim, as crianças foram classificadas como “com TDAH” quando atingiram ponto de corte no SNAP-IV para uma ou ambas subescalas do SNAP-IV (INA e/ou H/I) e “sem TDAH” caso não cumprissem o ponto de corte nesta mesma avaliação. Das 40 crianças do grupo de controle, 32 foram classificadas por pais e professores como “sem TDAH”. Das 20 crianças do grupo clínico, 9 foram classificadas “com TDAH” por pais e professores. Nenhuma criança do grupo clínico foi considerada “sem TDAH” pelos avaliadores e duas crianças do grupo controle foram classificadas “com TDAH”. Os demais resultados apontam para divergências entre os avaliadores. O teste de qui-quadrado mostrou que houve diferença entre pais e professores na proporção de atribuição de sintomas de TDAH pelo SNAP-IV a partir do diagnóstico prévio da criança, para o grupo de controle (χ²(1) = 5,430, p = 0,020), mas não no grupo clínico (χ2(1) = 2,692, p = 0,101), com um baixo e significativo índice de concordância kappa (κ = 0,364, p = 0,003).

Foi conduzida uma análise de sensibilidade e especificidade do SNAP-IV, considerando as subescalas de desatenção e hiperatividade/impulsividade e a escala total para pais e professores. Os gráficos da Figura 1 apresentam as curvas ROC. Para todas as subescalas do SNAP-IV e para o escore total a área sob a curva ROC apresentou-se grande e bem distante da diagonal (que divide o quadrado da sensibilidade e 1 – especificidade em 50%). Assim, a curva toca na parte superior esquerda dos gráficos, o que é desejável em uma curva ROC. A escala de H/I teve a curva menos perfeita, com a escala de pais menos discriminativa.

As áreas sob a curva das subescalas apresentaram valores adequados e significativos (p menor que 0,001), tanto para a avaliação de pais quanto de professores. Para a escala INA e do escore total, os valores ficaram acima de 0,90, considerados excelentes (pais: INA = 0,95; total = 0,90; professores: INA = 0,97; total = 0,96). Já as subescalas de H/I de pais e professores foram de, respectivamente, 0,78 e 0,89, considerados como aceitáveis (Hanley & McNeil, 1982).

A Tabela 4 apresenta as probabilidades associadas para as coordenadas da curva ROC para cada uma das subescalas na avaliação de pais e professores. A interpretação das probabilidades associadas às coordenadas da curva ROC é qualitativa, o que indica que os pontos de corte são definidos a partir dos propósitos do teste. Considerando que o SNAP-IV é um instrumento de rastreio e não de diagnóstico clínico, espera-se ele seja capaz de discriminar uma grande proporção de verdadeiros positivos e uma razoável proporção de falsos negativos. Assim, a Tabela 4 apresenta os pontos de corte sugeridos a partir da amostra.

 

Discussão

Este estudo teve objetivo comparar a avaliação de pais e professores no SNAP-IV em uma amostra clínica e não-clínica (i.e., com e sem diagnóstico de TDAH) e estabelecer pontos de corte que auxiliem clínicos no processo diagnóstico na faixa etária abarcada pelo estudo. Os casos foram compostos a partir de uma amostra clínica de 20 crianças com diagnóstico médico de TDAH e os controles por 40 crianças que cursavam da Educação Infantil ao 6º ano do Ensino Fundamental. Para limitar o efeito do ambiente, na composição do grupo controle foram selecionadas crianças que pertenciam a mesma turma, sexo e faixa etária de cada criança com TDAH.

A escala apresentou excelentes índices de fidedignidade para a versão de pais e professores, estando de acordo com a literatura (Fortes et al., 2014). Conforme esperado, as correlações entre as subescalas do SNAP-IV respondidas por um mesmo avaliador foram altas e as correlações entre avaliadores nas subescalas foram moderadas. Todas as correlações foram significativas. Os resultados estão de acordo com estudos prévios, utilizando amostras clínicas ou não clínicas (Bussing et al., 2011, Langberg et al., 2010). Apesar das correlações entre as subescalas de pais e professores, divergências significativas foram encontradas na classificação de categorias diagnósticas pelos informantes. A literatura tem apontado certo grau de discordância entre pais e professores como avaliadores de sintomas de TDAH (McLoughlin, Rijsdijk, Asherson, & Kuntsi, 2011). Além disso, os apesar do baixo índice kappa (Landis & Koch, 1977), o mesmo está de acordo com outro estudo com amostra de crianças brasileiras comparando SNAP-IV com outros meios diagnósticos (Kieling et al., 2014).

No presente estudo observa-se que, no grupo de controle, haveria uma maior proporção de crianças que apresentariam TDAH quando avaliadas pelos pais do que quando avaliadas pelos professores (respectivamente, 7 e 3 crianças, Tabela 3). É possível que a quantidade de questionários que foram respondidos pelas mães (na presente pesquisa, 92%) possa ter interferido nos resultados. Caye, Machado e Rohde (2013) demostraram que as mães atribuem mais sintomas e classificam mais as crianças com TDAH do que os pais e professores.

Os resultados aqui apresentados demonstram diferenças na atribuição de sintomas no contexto doméstico e escolar, o que pode indicar que os avaliadores tenham uma compreensão diferente da apresentação dos sintomas em grupos de crianças com e sem TDAH. Em outros termos, o contexto mais estruturado da escola pode favorecer que professores atribuam menos sintomas às crianças, em relação aos pais. Estudos têm demonstrado o efeito do contexto na manifestação de sintomas de TDAH (Pressman et al., 2006). Para grande parte das crianças do grupo controle, os pais atribuíram mais sintomas do transtorno em comparação aos professores, o que está de acordo com a literatura (Sherman, Brooks, Akdag, Connolly, & Wiebe, 2010). Não houve diferenças significativas na avaliação entre pais e professores entre as crianças do grupo TDAH, o que pode indicar maior concordância entre as crianças desse grupo diagnóstico.

As divergências entre pais e professores na avaliação pelo SNAP-IV apontam para diferenças quantitativas e não necessariamente qualitativas entre os grupos de avaliadores. Isso é corroborado pela análise das curvas ROC, que apresentaram ótimos índices para pais e professores. O instrumento demostrou sensibilidade suficiente para captar os verdadeiros positivos sem captar muitos falsos negativos. Os melhores resultados foram identificados na subescala de desatenção e mesmo os índices mais baixos, obtidos pela subescala de hiperatividade/impulsividade, foram satisfatórios. Assim, o valor de área sob a curva da escala foi de 0,78, sendo que para Rice e Harris (2005) uma área sob a curva de 0,75 corresponde ao equivalente, em termos de tamanho de efeito, a 0,93 pelo índice d de Cohen, o que é um tamanho de efeito alto. Os valores encontrados estão de acordo com a literatura para o instrumento, mesmo com amostras maiores (Kieling et al., 2014, Bussing et al., 2011, Costa et al., 2019).

 

Considerações Finais

Resta, finalmente, pontuar algumas limitações e forças do presente estudo, assim como possibilidades de investigações posteriores. Entre as limitações, destaca-se o tamanho e a heterogeneidade da amostra, considerando o baixo número de crianças por faixa etária e sua grande amplitude. Apesar de amostras clínicas com diagnóstico serem difíceis de serem coletadas, esta é uma limitação que não pode ser ignorada. Porém, ressalta-se que os dados estão de acordo com a literatura, o que demonstra o poder estatístico das variáveis sob investigação. Acreditamos que a composição da amostra, cuidadosamente delineada em seu procedimento de seleção, em que apenas crianças com diagnóstico médico de TDAH foram inseridas no grupo clínico, contribuiu para os resultados obtidos. Sendo assim, estes resultados podem ser úteis e levantam questões importantes no que tange ao processo diagnóstico a ser estabelecido pelo clínico, que deve considerar diferentes e simultâneas fontes em suas avaliações. Destaca-se, ainda, que a divergência encontrada entre pais e professores, apesar de estar de acordo com a literatura, merece outros tipos de tratamento estatístico, uma vez que a estatística clássica pode confundir efeitos do método com do fator avaliado e do avaliador em si. Entre as estatísticas mais recentes, tem se destacado a pesquisa a partir de uma perspectiva de múltiplos traços e múltiplos métodos, desenvolvida a partir das ideias originais de Campbell e que, atualmente, permitem esclarecer o quanto diferentes avaliadores compartilham variância explicativa do construto avaliado pelo item (Eid, Nussbeck, Geiser, Cole, & Gollwitzer, 2008). Estas estão entre as possibilidades de investigações futuras para a escala.

Apesar das diferenças nas avaliações de pais e professores dos sintomas de TDAH em crianças, as análises do SNAP-IV sobre as divergências apontam para diferenças quantitativas e não qualitativas entre os grupos de avaliadores. Esses resultados estão em consonância com a literatura que aponta a validade da escala SNAP-IV para o rastreio dos sintomas do transtorno. Os pontos de corte atribuídos no presente estudo podem ser úteis para aqueles que utilizam a escala com propósitos clínicos.

 

 

Referências

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