Revista de Psicologia, Fortaleza, v.14, e023024. jan./dez. 2023
DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.24
RECEBIDO EM: 13/05/2023
PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 16/08/2023
VERSÃO FINAL: 29/08/2023
APROVADO EM: 14/09/2023
Jogos eletrônicos e as diferenças de hábitos entre os gêneros
Electronic games and differences in habit between genres
Felipe Peixoto Lasmar
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – Belo Horizonte, Brasil. Acadêmico do curso de medicina. https://orcid.org/0000-0003-3206-8192. E-mail: lipelasmar2010@hotmail.com.
Camila Toledo Simas
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – Belo Horizonte, Brasil. Acadêmica do curso de medicina. https://orcid.org/0000-0001-6661-7183. E-mail: camilatsimas@yahoo.com.br.
Felipe Augusto Maia
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – Belo Horizonte, Brasil. Acadêmico do curso de medicina. https://orcid.org/0000-0002-7337-405X. E-mail: felipeaugusto.maia15@gmail.com.
Geraldo José Coelho Ribeiro
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Brasil. Mestre em Saúde Pública/Epidemiologia; Especialista em Medicina Preventiva e Social. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8964-4296. E-mail: gjcribeiro@uol.com.br.
Resumo
Este artigo busca analisar as características de 135 acadêmicos de uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada em relação aos jogos virtuais violentos. Isto foi feito por meio da comparação entre o grupo feminino e o grupo masculino, apontando suas diferenças e correlacionando as causas e consequências da construção social de gênero pautada nos princípios masculinos, o que secundariza o papel das mulheres. A metodologia utilizada foi o estudo observacional transversal com aplicação de um questionário virtual, o qual resultou em diferenças significativas entre o sexo (44,4% mulheres e 55,6% homens), o tempo de jogo e o uso de smartphones (66,1% mulheres e 33,9% homens). Ao final, foi percebido que as mulheres jogam menos que o sexo masculino e preferem o uso dos smartphones. Apesar disso, é nítido o crescente número de participantes nesse contexto e novos estudos devem ser encorajados para complementar os questionamentos levantados e para buscar compreender melhor os aspectos sociais e pessoais que influenciam esses padrões no hábito de jogar.
Palavras-chave: Mulheres, jogos de vídeo, tecnologia.
Abstract
This article seeks to analyze the characteristics of 135 academics from a private Higher Education Institution (HEI) in relation to violent virtual games. This is done by comparing the female and male groups, pointing out their differences and correlating the causes and consequences of the social construction of gender based on male principles, which makes the role of women secondary. The methodology used was a cross-sectional observational study with the application of a virtual questionnaire, which resulted in significant differences between gender (44,4% women and 55,6% men), playing time and use of smartphones (66,1% women and 33,9% men). In the end, it was noticed that women play less than men and prefer the use of smartphones. Despite this, the growing number of participants in this context is clear and new studies should be encouraged to complement the questions raised and to seek to better understand the social and personal aspects that influence these patterns in the habit of gambling.
Keywords: Women, video games, technology.
Introdução
Pierre Bourdieu, em 1999, explicou o conceito de gênero na distinção entre sexo e gênero, sendo o primeiro determinado pelas características biológicas sexuais do indivíduo, enquanto o segundo é uma construção social, histórica e cultural dessas diferenças. Assim, as expressões da masculinidade e da feminilidade são variáveis de acordo com a época histórica – tempo – e com a classe social, religião e região geográfica – espaço. Essa construção é determinante de uma dicotomia social, em que os gêneros são um par de opostos que possuem uma relação de poder, onde o princípio masculino é tomado como medida para todas as coisas (Bourdieu, 2012). O resultado desse processo é a criação de uma sociedade culturalmente hierarquizada, em que o gênero masculino recebe o papel de dominador, ao passo que as mulheres são as personagens passivas nessa relação de poder e isso é aceito e reproduzido socialmente (De Oliveira Silva & Laport, 2019).
No campo da atividade profissional, há inúmeros movimentos em prol da igualdade de direitos pelas mulheres que conseguiram amenizar o cenário brasileiro de disparidade, por exemplo, a crescente entrada de mulheres para o cenário da saúde (enfermeiras, médicas, psicólogas), visto que, em 1980, elas contabilizavam 39% e, em 2000, já eram a maioria com 61,75% do total de trabalhadores. Em contrapartida, a parcela feminina ainda possui patrimônio líquido menor no ramo médico quando comparados com os homens, de acordo com uma pesquisa feita pelo Medscape em 2020 (Schwartz, 2021).
Outro contexto que exemplifica a hierarquização dita por Bourdieu: na década de 80, a indústria gamer mudou seu padrão de desenvolvimento, principalmente, nos EUA, e os jogos, que antes eram voltados para a família, começaram a ser elaborados para um público específico: homens jovens, entre 13 e 25 anos (Goulart & Hennigen, 2014). Isso colocou as mulheres em uma posição secundária e permeada de estereótipos, tanto como público, quanto como personagens. Dessa forma, com o intuito de alcançar o grupo feminino, as grandes indústrias introduziram no mercado os Pink Games. Tais jogos traziam temáticas de moda, romance e de tarefas domésticas, visto que, no imaginário popular, as mulheres não seriam boas em jogos violentos ou competitivos, feitos quase exclusivamente para os homens (Bristot, Pozzebon & Frigo, 2017). Exemplificando, a personagem Ms. Pac-man foi inserida no jogo Pac-man com o intuito de atrair o público feminino ao fazer parte de um romance com o personagem principal, levando em conta que o gênero romance era culturalmente mais apropriado às mulheres (Bristot et al., 2017).
Devido a atribuições culturais historicamente impostas pela sociedade, a área da tecnologia está diretamente associada à imagem masculina, o que desestimula o ingresso da mulher neste meio (Nascimento, 2016). Dessa forma, a mulher detém uma baixa representatividade, na medida em que suas posições como jogadora e como desenvolvedora de jogos são pouco valorizadas. Além disso, as personagens femininas também se enquadram na conjuntura supracitada, dado que possuem pouca participação na narrativa e são esquecidas em boa parte da história (Bristot et al., 2017). Como um reflexo deste panorama, sabe-se que nos Estados Unidos, de acordo com a Entertainment Software Association (ESA), as mulheres representam 41% dos jogadores, corroborando, assim, com este cenário.
Outro estereótipo que vem se promovendo ao longo da história é a sensualidade feminina nas personagens. Segundo Teixeira (2015) e Fonseca (2013), o design feito às personagens femininas é pautado na hipersexualização por meio da exibição exagerada de seus corpos associado ao dismorfismo de imagem. Assim, o resultado é um padrão de feminilidade de seios avantajados, quadris largos e cinturas estreitas, como a personagem Mai Shiranui da franquia de jogos de luta King of Fighters, que são atrativos para o público masculino (Teixeira, 2015; Fonseca, 2013). Em contraposição, os personagens masculinos estão com o seu corpo totalmente coberto como uma forma de proteção quando estão inseridos em um campo de batalha (Bristot et al., 2017). Associado a isso, ocorre a objetificação dessas personagens, que, além de não integrarem a narrativa, servem apenas como distrações. A exemplo disso, existem as non-player character (NPC’s) prostitutas em Grand Theft Auto (GTA), que são personagens femininas não jogáveis, mas que interagem com o protagonista masculino da história (Gasoto & Vaz, 2018). Isso perpetua estereótipos e contribui para a objetificação das mulheres, alimentando a cultura do machismo. Para promover a igualdade de gênero, é fundamental que os jogos eletrônicos incluam representações respeitosas e diversificadas, que valorizem a dignidade e a autonomia das mulheres.
Laconicamente, sabe-se que a identificação entre sujeito e personagem é de suma importância a fim de desenvolver-se uma boa conexão e um vínculo entre ambas as partes. Apesar da figura feminina estar presente nos jogos há anos, as personagens não representam a diversidade e a fidedignidade deste grupo. Dessa forma, nota-se que o processo de identificação é mais difícil para as mulheres, dado que as suas personagens, as quais deveriam representá-las, são produzidas de forma submissa e objetificada (Bristot et al., 2017). Por um outro lado, o homem identifica-se de forma mais fácil com os seus personagens, visto que estes são elaborados conforme uma visão positiva da sociedade, valorizando corpos viris, fortes e hipertrofiados (Nascimento, 2016). Portanto, as mulheres encontram-se mediante a um cenário que dificulta o ingresso e o deleite ao mundo dos jogos, ao passo que os homens desfrutam de inúmeras produções voltadas a eles. Esse cenário, ao reforçar papéis estereotipados de gênero, contribui para a perpetuação de normas prejudiciais na sociedade. A representação inadequada das mulheres como personagens objetificadas não apenas marginaliza as jogadoras, mas também reforça a ideia de que seus corpos são objetos de desejo e não sujeitos com agência. Essa representação distorcida influencia a percepção das futuras gerações sobre os papéis de gênero, perpetuando desigualdades e a exploração sexual. Em suma, o cenário dos jogos eletrônicos desempenha um papel importante na formação de mentalidades e atitudes em relação ao gênero, e é crucial buscar representações mais equitativas e diversificadas para impactar positivamente as futuras gerações (Bristot et al., 2017).
Em consonância, é nítido que as relações que o grupo feminino e o masculino detêm com os jogos eletrônicos são distintas e expõem um cenário de dicotomia social. As discussões e pesquisas acerca de como os hábitos envolvidos com os jogos eletrônicos são influenciados de acordo com o gênero ainda são escassas e de baixo impacto social. Portanto, esse texto se faz importante por colocar em pauta a divisão criada na sociedade em relação ao que é aceito às mulheres e aos homens dentro da cultura gamer e como isso pode estar influenciando no hábito das jogadoras. Assim, o objetivo deste artigo é analisar as características da amostra por meio da comparação entre o grupo feminino e o grupo masculino, apontando suas diferenças e correlacionando as causas e consequências do contexto supracitado.
Métodos
Esse trabalho é resultado de uma pesquisa de caráter observacional do tipo transversal, com acadêmicos de uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada, localizada na região Centro-Sul de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Foi coletada uma amostra de conveniência de alunos matriculados na IES. Os critérios de inclusão foram: (1) idade acima de 18 anos; (2) estar regularmente matriculado na instituição; (3) concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por livre e espontânea vontade; (4) e jogar jogos virtuais violentos. O termo “violentos” foi escolhido devido ao padrão social de não considerar a mulher boa em jogos com temática violenta, enquanto considera o homem perfeitamente apto à violência. Por outro lado, o critério de exclusão foi: (1) possuir algum impedimento físico ou psíquico para prática de jogos virtuais violentos. O estudo foi previamente submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 40882520.0.0000.5134), o qual preconiza o seguimento da Resolução 466/12 durante toda a pesquisa.
A plataforma Formulários Google foi utilizada para a coleta de dados e se mostrou eficiente, devido à facilidade de uso, à organização e à segurança para o usuário. Houve a criação de um e-mail exclusivo para o gerenciamento dos dados dispostos na plataforma, permitindo o acesso direto restrito aos autores da pesquisa, visando sobretudo à diminuição do risco de vazamento das informações coletadas.
A aplicação do questionário, destinado exclusivamente para esse estudo, ocorreu entre os meses de abril de 2021 a julho de 2021. Inicialmente, esse documento possuía em sua primeira página o TCLE, cuja leitura era obrigatória e continha os termos de aceitação da pesquisa para que, assim, o indivíduo pudesse prosseguir com o preenchimento do questionário. A segunda etapa, também de caráter obrigatório, continha a identificação básica dos acadêmicos e critérios de inclusão e exclusão, como e-mail, idade, sexo, se estava devidamente matriculado na IES privada, se jogava e se estava apto física e psiquicamente para a prática de jogos virtuais violentos. Por último, a terceira página continha perguntas sobre os hábitos pessoais acerca de jogar, como idade de início, há quanto tempo joga, horas por semana, se usa smartphones e importância do tema.
O formulário foi enviado via link pela plataforma virtual WhatsApp de maneira individual e coletiva para ser respondido pelos alunos, visto que se trata de um meio rápido e prático de disseminação de informações. Em adição, ocorreu o reenvio do link a cada semana e foi solicitada a ajuda dos próprios acadêmicos para que compartilhassem em seus grupos de amigos, visando à maior adesão da amostra.
As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas e as variáveis numéricas, como média ± desvio-padrão e mediana (1º quartil – 3º quartil). As variáveis numéricas foram submetidas ao teste de Normalidade de Shapiro-Wilk. Para comparar médias e medianas entre dois grupos foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Enquanto isso, as associações entre variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste Qui-quadrado. As análises foram realizadas no software R versão 4.0.3 e foi considerado nível de significância de 5%.
Resultados
A amostra estudada foi composta por 135 participantes, caracterizada por 44,4% mulheres, idade média de 21,1 ± 2,2 anos e mediana de 21,0 (19,0 – 23,0), e 55,6% homens, idade média de 20,9 ± 2,9 anos e mediana de 20,0 (19,8 – 22,0). Não foram observadas diferenças significativas entre as idades dos grupos.
Houve relação significativa do sexo com a idade em que o participante começou a jogar, com há quanto tempo o participante joga, o tempo médio de jogo por semana e o uso de smartphones para jogar, sendo que as mulheres começaram mais velhas, jogam há menos tempo (anos), jogam menos horas por semana e preferem jogar nos smartphones quando comparadas com o grupo masculino. Ademais, também foi observado que elas objetivam os jogos virtuais violentos com menor importância em seu cotidiano. Os dados podem ser observados na Tabela 1.
Discussão
Acerca da participação da mulher no mundo gamer, há uma baixa representatividade quando comparada com o sexo masculino. Em jogos violentos, como da modalidade Multiplayer Online Battle Arena (MOBA), por exemplo, os famosos League of Legends e DOTA 2, somente 10% dos jogadores são mulheres, de acordo com a pesquisa feita pelo Quantic Foundry com mais de 270 mil jogadores online, em 2016 (Quantic F., 2017). Outra pesquisa, realizada por Suzuki, Matias, Silva e Oliveira (2009), obteve uma discrepância de resultados quando questionou os participantes sobre jogarem nos últimos 12 meses, já que apenas 18,1% eram mulheres (Suzuki, Matias, Silva & Oliveira, 2009). Tais achados são condizentes com os dados encontrados por este estudo, o qual evidenciou que, dentre os participantes, as mulheres também correspondiam a minoria. Além disso, no que se refere ao desenvolvimento de jogos eletrônicos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) revelou que somente 15% dos desenvolvedores são mulheres, demonstrando ainda mais que esta é uma esfera de predomínio masculino (Gasoto & Vaz, 2018).
A falta de desenvolvedoras mulheres na indústria de jogos reforça os padrões de gênero machistas e a violência contra as mulheres de várias maneiras. Dessa forma, muitos jogos, principalmente os mais violentos, podem normalizar a violência contra a mulher através da objetificação sexual, violência física ou verbal. A ausência da mulher no processo de desenvolvimento desses jogos pode resultar na minimização do papel feminino na narrativa e até mesmo destacar a violência contra as mulheres. Diante disso, como muitos jogadores estão em fase de desenvolvimento e representam futuras gerações, este cenário pode ser maléfico para todos. Jogos que não apresentam comportamento de respeito e positivo acerca das mulheres podem contribuir para a perpetuação de um ambiente hostil e da violência contra o sexo feminino (Santos, 2021).
Em relação à infância, os participantes possuíam uma diferença significativa na idade em que começaram a jogar, sendo que as mulheres começaram, em média, 3 anos mais velhas do que os homens. Em conformidade, o estudo de Pissetti (2017) mostrou que a porcentagem de mulheres que começou a jogar com menos de 12 anos é menor do que a dos homens - 46,7% mulheres para 66,5% homens - mostrando que uma parcela do primeiro grupo iniciou esse hábito mais velha (Pissetti, 2017). Esse fato pode ser decorrente das meras expectativas culturais criadas pela sociedade e impostas pela segmentação de mercado, a qual reforça a ideia de que existem interesses distintos de acordo com o sexo. E assim, os “brinquedos de menina” eram vinculados com a construção social da mulher delicada, bonita e que cuida dos afazeres domésticos, portanto, não incluía jogos eletrônicos violentos e competitivos, que eram “brinquedos de meninos” (Bristot et al., 2017).
Sobre há quantos anos os participantes jogam, foi obtido a mesma significância para o dado anterior, visto que a idade atual dos jogadores não teve diferença estatística. Assim, as mulheres jogam há menos tempo que os homens, sendo 8,2 anos para o primeiro grupo e 11,2 anos para o restante. Esse resultado é uma simples consequência do fato de as jogadoras iniciarem essa vida mais velhas e ainda não terem chegado na faixa dos 25-40 anos de idade, quando tendem a igualar os anos de jogo, já que, de acordo com Pissetti, nessa faixa etária, há um maior predomínio feminino nos jogos, pois, os homens tendem a abandonar o hábito após a faixa dos 16-24 anos de idade (Pissetti, 2017). Em contrapartida, a pesquisa de Gasoto e Vaz (2018) recebeu como resposta a maioria das jogadoras na faixa etária de 20-30 anos de idade (51,19%) com mais de 10 anos de jogo (68,55%) (Gasoto & Vaz, 2018).
No presente trabalho, verificou-se uma diferença significativa entre os sexos no que concerne a quantas horas, em média, o indivíduo joga por semana. Assim sendo, cerca de 62% das jogadoras passam 5 horas ou menos por semana dedicando-se aos jogos virtuais, enquanto apenas 44% dos homens jogam essa mesma quantia semanal. Ademais, o mesmo estudo averiguou que, entre as pessoas que jogam mais de 10 horas semanalmente, somente 22,3% são do sexo feminino, enquanto 77,7% são homens. Dessa forma, o panorama supracitado entra em concordância com outros estudos, visto que as mulheres jogam, em média, 12,6 horas por semana, contra 22,4 dos homens (Ribeiro, 2019).
Em contrapartida, Pissetti identificou, entre grupos de jogadores de redes sociais e de plataformas online, que 54,4% das mulheres jogam mais de 10 horas por semana, ao passo que 49,7% dos homens jogam essa quantia (Pissetti, 2017). Dessa forma, nota-se que, apesar dos notórios impedimentos e limitações, há um interesse ascendente das mulheres no que tange a pertencer e fazer cada vez mais parte do mundo dos games. Esse movimento não se limita apenas aos jogos, mas reflete uma busca mais ampla por igualdade de gênero em diversos âmbitos sociais. As mulheres têm conquistado espaços em áreas tradicionalmente dominadas por homens, como ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Essa crescente participação feminina é fundamental para a promoção da igualdade de gênero e a desconstrução de estereótipos que permeiam a sociedade, permitindo que as futuras gerações cresçam em um ambiente mais inclusivo e equitativo (Fonseca, 2013).
Na presente pesquisa, notou-se que há uma diferença significativa entre os sexos no que diz respeito ao hábito de jogar pelo smartphone, em razão de que, entre as pessoas que utilizam este meio, 66,1% são do sexo feminino. Em concordância, Pissetti encontrou resultados semelhantes para esta plataforma, já que, dentre as pessoas que jogam através de smartphones, 65,6% são mulheres (Pissetti, 2017). Diante disso, essa escolha avantajada do celular como uma plataforma de jogos eletrônicos pode ser justificada devido aos inúmeros estereótipos e limitações impostas às mulheres em relação à tecnologia, como citado anteriormente, sendo que os consoles e os computadores não eram opções viáveis e feitas para este gênero. Assim sendo, a massificação dos smartphones aumentou o contato das mulheres com a tecnologia e, consequentemente, com jogos eletrônicos, tornando os celulares ambientes mais receptíveis e benquistos pelas mulheres, a fim de evitar possíveis discriminações que seriam vistas em outras plataformas (Bristot et al., 2017).
Para finalizar, não é de se espantar que houve nesta pesquisa uma diferença significativa sobre a importância dos jogos entre mulheres e homens. Após tantos anos sendo excluída digitalmente, objetificada e desincentivada a jogar, a parcela feminina atribui menor importância aos jogos virtuais violentos. Ademais, não foram encontrados artigos que analisaram o mesmo parâmetro, evidenciando a necessidade de novos estudos no que concerne a esse problema.
Conclusão
Diante do exposto, é perceptível uma diferença entre os hábitos dos jogadores do sexo feminino e masculino no que diz respeito ao tempo e à plataforma de jogo, visto que as participantes jogam menos, em geral, e utilizam mais os smartphones. Esses resultados fazem parte de uma dicotomia maior do que somente os jogos eletrônicos, pois esse cenário é um reflexo de uma sociedade ensinada a hierarquizar os gêneros, colocando o masculino como principal e o feminino como secundário, o que gera uma forte influência externa no perfil dos jogadores, como foi discutido. Apesar disso, as mulheres têm conquistado destaque nessa narrativa ao passo que alguns estudos mostraram que elas já são a maioria no uso de smartphones e no quesito “jogar mais de 10 horas por semana” quando comparadas com o público masculino.
É importante apontar que a baixa ou não participação feminina nos jogos virtuais violentos indica esse reforço das diferenças dos papéis de gênero, porém remete à problemáticas piores como o desenvolvimento de jogos cada vez mais violentos, por serem criados por homens, e que inclusive reforçam machismos e violência contra a mulher. De tal modo que deve ser incentivada a participação feminina não apenas como jogadora, mas sobretudo como desenvolvedora de jogos na tentativa de criar jogos que quebrem com esses padrões machistas. Para que novas e futuras gerações de meninos não sejam submetidos a esse ambiente que só gera mais violência contra as mulheres.
Portanto, outros estudos são necessários para complementar os questionamentos levantados por esse artigo e para buscar compreender melhor quais aspectos sociais e pessoais têm influenciado diretamente no hábito de jogar dessa parcela feminina. Outro fato a ser investigado é a participação das mulheres na produção de jogos e nas áreas STEM, sendo essencial para compreender a falta de diversidade de gênero na indústria de jogos. Enquanto as jogadoras ganham visibilidade, a presença feminina na criação de jogos ainda é limitada. Ademais, debates sobre o assunto ajudam a superar barreiras, promover ambientes inclusivos e oferecer modelos inspiradores para incentivar a igualdade de gênero tanto na indústria de jogos quanto em campos tecnológicos.
Esse artigo possui algumas limitações, como a baixa validade externa, por avaliar uma população homogênea e pequena; e o delineamento transversal, que não acompanha os estudantes para saber se houveram mudanças no hábito ao longo dos anos. Dessa forma, estudos longitudinais são propostas interessantes para melhor avaliação do perfil dos usuários de jogos virtuais e suas interseções com a própria sociedade em que estão inseridos.
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