Revista de Psicologia, Fortaleza, v.14, e023014. jan./dez. 2023
DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.14
RECEBIDO EM: 27/09/2022
PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 23/03/2023
VERSÃO FINAL: 03/04/2023
APROVADO EM: 12/04/2023
Implicações Psicossociais da Pobreza sob uma Perspectiva da Psicologia Comunitária: Revisão Narrativa
Psychosocial Implications of Poverty from a Community Psychology Perspective: Narrative Review
Vilkiane Natercia Malherme Barbosa
Mestra e Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil. Integrante do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM). Bolsista de doutorado - CAPES. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3048-9316. E-mail: vilkimalherme@outlook.com
Verônica Morais Ximenes
Doutora em Psicologia - Universidad de Barcelona e Pós-Doutorado em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Titular da Universidade Federal do Ceará e do Programa de Pós-graduação em Psicologia. Coordenadora do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM). Fortaleza - CE, Brasil. Bolsista em Produtividade do CNPq - 1D. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3564-8555 . E-mail: vemorais@yahoo.com.br
Resumo
O objetivo é apresentar uma revisão narrativa da produção teórica acerca das implicações psicossociais da pobreza sob o ponto de vista das produções do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC). Foram analisados 31 manuscritos e os resultados descritivos destes estudos apontaram para diferentes abordagens metodológicas aplicadas em contexto rural e urbano de pobreza, o que impacta em diferentes níveis de pobreza e em estratégias de enfrentamento. Ademais, foi possível propor uma estrutura teórica para as implicações psicossociais da pobreza, que é constituída tanto de aspectos de enfrentamento e suas categorias sentido de comunidade, apoio/suporte social e bem-estar pessoal; quanto de aspectos de opressão, sendo representado pelas categorias fatalismo, vergonha e humilhação. Estas implicações psicossociais da pobreza são consideradas categorias analíticas por produzirem efeitos práticos à vida dos sujeitos, além, de facilitar possibilidades de intervenção.
Palavras- chave: Revisão narrativa; psicologia comunitária; pobreza.
Abstract
The objective is to present a narrative review of the theoretical production about the psychosocial implications of poverty from the point of view of the productions of the Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) linked to the Universidade Federal do Ceará (UFC). Thirty-one manuscripts were analyzed and the descriptive results of these studies pointed to different methodological approaches applied in rural and urban poverty contexts, which impact different levels of poverty and coping strategies. Furthermore, it was possible to propose a theoretical framework for the psychosocial implications of poverty, which is constituted of both coping aspects and its categories sense of community, social support/support, and personal well-being; and oppression aspects, being represented by the categories fatalism, shame, and humiliation. These psychosocial implications of poverty are considered analytical categories for producing practical effects on the lives of the subjects, in addition to facilitating possibilities of intervention.
Keywords: Narrative review; community psychology; poverty.
Um dos aspectos relevantes da pobreza são as implicações psicossociais que esta causa àqueles que são afetados por esta e a Psicologia Comunitária tem se debruçado sobre estes aspectos (Ximenes, Nepomuceno, Cidade & Moura Jr., 2016a). É premissa deste campo de estudos, conhecimento e práticas, a construção de saber direcionada a necessidades sociais (Ximenes, Cidade & Nepomuceno, 2015a). A Psicologia Comunitária parte do reconhecimento de que as desigualdades sociais, violências e pobrezas vividas pelas pessoas expostas a tais condições causam consequências para além dos efeitos mais quantitativos e evidentes. Estas consequências afetam as questões psicossociais, que vulnerabilizam a vida dos sujeitos e implicam sofrimentos à estes que vivenciam tais situações opressoras (Cidade, Moura Jr & Ximenes, 2012).
Neste sentido, também é relevante apontar que as implicações psicossociais da pobreza, como pontuam Ximenes et al. (2015a), se alinham a uma perspectiva de pobreza multidimensional, que reconhece a pobreza enquanto fenômeno social e multicausal. Ou seja, perpassa múltiplas dimensões da vida dos sujeitos, implicando a estes processos de desigualdades e de opressão que, ora os vulnerabiliza, ora os responsabiliza pelas condições de pobreza vivida.
Assim, a Psicologia Comunitária tem se colocado ética e politicamente como práxis preocupada com as transformações das realidades sociais de opressão, desigualdades sociais e pobrezas. O conhecimento das implicações psicossociais da pobreza pode fomentar novas estratégias de enfrentamento a mesma, fortalecendo as pessoas e/ou as comunidades que vivenciam tais condições de opressão e mobilizando novos modos de vida (Silva, 2017).
Há, também, o compromisso em forjar a formação de psicólogas (os) sensíveis para a atuação nestes contextos, a partir do reconhecimento de que os sofrimentos psíquicos existentes nestas realidades não estão deslocados dos contextos vulneráveis vividos (Nepomuceno, 2013). Ao contrário, muitas vezes, as condições vulneráveis afetam os mesmos, gerando a estes sofrimentos psicossociais por viverem em tais condições (Cidade et al., 2012).
Neste sentido, as implicações psicossociais da pobreza se apresentam como campo teórico e metodológico nas discussões sobre Psicologia Comunitária, por trazerem em seu cerne o reconhecimento que a desigualdade social é um processo advindo das estruturas macrossociais capitalistas (Moura Jr., Cidade, Ximenes & Sarriera, 2014) que engendram, tanto em nível macro quanto no micro social, redes de opressão que afetam as possibilidades de enfrentamento dos sujeitos sociais em situação de vulnerabilidade. Assim, é preciso reconhecer tanto as opressões, quanto as estratégias de enfrentamento envoltos.
Núcleo de Psicologia Comunitária – NUCOM
Envoltos em uma perspectiva de compromisso ético, político e social na atuação em psicologia junto às classes mais pobres é que se percebe a urgência do deslocamento do âmbito tradicional da Psicologia, ligado às elites, para outros grupos e territórios (Góis, 1993). Assim, o Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM - UFC) emerge desta possibilidade, sendo um dos primeiros grupos do país a trabalhar com a Psicologia Comunitária e, também, reconhecido pelo pioneirismo na atuação junto a populações rurais (Lane, 1996).
Seu fundador e idealizador, César Wagner de Lima Góis, é um dos primeiros autores a desenvolver uma estrutura teórica e metodológica sobre Psicologia Comunitária no Brasil discutindo e desenvolvendo esta área a partir das experiências práticas junto ao NUCOM, que priorizam contextos periféricos, de pobreza e vulnerabilidade, para uma atuação alinhada a uma perspectiva da libertação, facilitando processos que possam fomentar possíveis mudanças sociais (Góis, 1993).
Cabe destaque à Psicologia Comunitária desenvolvida pelo NUCOM na realidade cearense, visto que esta emerge a partir das inquietações a respeito da atuação da Psicologia junto a comunidades pobres, buscando uma atuação que se aproximasse dessas realidades sociais facilitando estratégias de enfrentamento à pobreza. Ximenes e Gois (2010) desenvolveram a base teórico-metodológica da Psicologia Comunitária a partir da própria realidade vivida, entrelaçada a preceitos de outras áreas do conhecimento tais como: Educação Popular, Psicologia Histórico-Cultural, Teoria Rogeriana, Biodança e Psicologia da Libertação.
O Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) tem sido um espaço estratégico para pensarmos a formação e atuação de uma Psicologia Comunitária preocupada com as transformações sociais, especialmente do enfrentamento das condições de pobrezas vividas pelas populações do Nordeste e, mais especificamente, a cearense (Ximenes, Moura Jr., Cruz, Silva & Sarriera, 2016b). Inclusive, reconhecendo a necessária expansão das práxis no âmbito da Psicologia para os campos rurais e/ou também para as populações mais marginalizadas, tais como a população em situação de rua.
Assim, o NUCOM vem atuando, especialmente no Ceará, mas com parcerias com outros estados e países, junto ao fortalecimento de práxis que visam visibilizar as condições de opressão, desigualdades, violências e pobrezas existentes e que assolam de maneira mais abrangente as populações minoritárias, especialmente em situação de pobreza (Ximenes, Silva, Cidade, Camurça & Alencar, 2015b). Propõem, também, apontar caminhos de enfrentamento destas, a partir do reconhecimento das macro e microestruturas que as fomentam e das possibilidades de enfrentamento a estas (Moura Jr et al., 2014). Desta forma, reconhecemos que nos aprofundarmos nas produções realizadas pelo NUCOM pode ser de grande valia para a compreensão das implicações psicossociais das pobrezas.
A pergunta de partida que nos propomos a responder com este trabalho é: como as implicações psicossociais das pobrezas estão presentes na produção do Núcleo de Psicologia Comunitária? Este questionamento emerge do reconhecimento das contribuições que este núcleo tem realizado com as pesquisas sobre pobrezas no campo da Psicologia (Ximenes, Nepomuceno & Cidade, 2016 c). Entende-se, também, que a partir desta análise será possível compreender quais as perspectivas teóricas que têm servido de base para análises neste âmbito e, principalmente, apontar novas possibilidades de pesquisa a partir da consolidação destes conceitos relativos às implicações psicossociais das pobrezas (Ximenes e Góis, 2010).
Para isto, partimos da perspectiva de atuação da Psicologia Comunitária em relação à pobreza, considerando dois aspectos, a saber: o desvelamento e/ou visibilização das opressões vividas pelas pessoas em contexto de pobreza e o fortalecimento das pessoas inseridas nesta realidade para o enfrentamento da pobreza. Assim, entendemos a complexidade das implicações psicossociais das pobrezas e que o modelo acima proposto se pretende a facilitar as identificações dos processos psicossociais envoltos no fenômeno da pobreza e que também tem causas outras, especialmente, porque a pobreza é fomentada a partir das condições desiguais e opressoras operadas pelo sistema capitalista (Cidade et al., 2012). Cabe ressaltar o caráter inovador, de se aprofundar na análise nuconiana sobre a pobreza do ponto de vista da produção da Psicologia Comunitária, pela perspectiva de reconhecer as contribuições do núcleo para discussão de pobreza. Especialmente, pelas peculiaridades dos conceitos e realidades de pobreza vividas no Brasil, que se diferenciam de outras vivencias de pobreza. Ao narrar a atuação da Psicologia Comunitária no Brasil, sobre diferentes óticas e intervenções possibilita um amplo campo analítico que favorece o reconhecimento das diferenças e dos múltiplos possíveis de atuação na práxis. Assim, seguimos essa investigação propondo o seguinte objetivo: analisar as implicações psicossociais das pobrezas sob o ponto de vista teórico-metodológico a partir das produções do NUCOM.
Método
O método de pesquisa utilizado é a revisão de literatura narrativa. A revisão narrativa é um tipo de revisão que possibilita combinar estudos com diferentes tipos de delineamento e integrar os resultados, o que torna possível a revisão de conceitos, a identificação de possíveis lacunas na área de interesse de estudo. A escolha pela revisão narrativa se deu pela flexibilidade que esta possui de inclusão de textos de diferentes formatos (capítulos de livros, teses, artigos, entre outros), que não necessariamente estejam disponíveis nas bases de pesquisa, que possuam o potencial de possibilitar a reconstrução de redes de pensamentos e conceitos e articulação de saberes.
Estratégia de coleta de dados
A estratégia de pesquisa utilizada compreende uma busca na literatura que tem sido produzida pelo Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) sobre “as implicações psicossociais das pobrezas”. Entendeu-se como relevante utilizar como bases para a pesquisa o site do NUCOM, que disponibiliza as produções realizadas pelo núcleo e o Repositório Institucional da Universidade Federal do Ceará (UFC). Também foram incluídas pesquisas que se vinculam ao núcleo que não estão disponíveis nestas duas bases. Entendemos, então, que esta decisão de integrar outros trabalhos foi relevante para ampliar as possibilidades de análises possíveis, visando o objetivo desta pesquisa. As buscas foram realizadas por artigos, capítulos de livro, dissertações e teses disponíveis no período de 2012 a 2020 até o dia 27 de janeiro de 2021. O ano de 2012 foi considerado como ponto de partida para a pesquisa, pois foi quando o primeiro artigo do NUCOM nesta temática foi publicado (Cidade et al., 2012).
Critérios de elegibilidade dos estudos
Inicialmente, foram consideradas todas as produções que tivessem no título alguma relação com “implicações psicossociais das pobrezas”. Para este processo, consideramos elegíveis os estudos: produções que estivessem relacionadas ao Núcleo de Psicologia Comunitária – NUCOM, independente do formato; que estavam no recorte de tempo considerado, de 2012 até a data em que foram coletados os dados; que abordam as implicações psicossociais das pobrezas no título ou no resumo; publicados nos idiomas português e espanhol; acessíveis com o texto completo para download gratuito. Todos os estudos foram baixados de suas respectivas plataformas de indexação. Estes passaram por processo de verificação de duplicidade entre os trabalhos para qualificar o processo de sistematização destes.
Desta forma, para os critérios de exclusão, temos: publicações que não estavam relacionadas a produção do NUCOM; produções não disponíveis em suas versões completas; produções que tratavam de outras temáticas que não as implicações psicossociais da pobreza; produções que não traziam em seus resumos discussões teóricas e/ou metodológicas sobre as implicações psicossociais das pobrezas; textos que estivessem em língua inglesa.
Com a busca realizada nas bases de pesquisas supracitadas, foram encontrados 100 trabalhos. Destes, 52 são artigos, 18 dissertações, 04 teses e 26 capítulos de livros. A partir dos critérios de elegibilidade para inclusão e exclusão, foram excluídos 60 trabalhos pelo título. Restando, destes, 04 teses, 13 artigos, 06 dissertações e 08 capítulos de livros. Com isso, 36 trabalhos foram lidos de forma completa. A partir da leitura foram excluídos mais 05 trabalhos por duplicidade e/ou por critério de elegibilidade, restando 31 trabalhos.
Resultados e Discussão
Inicialmente, identifica-se que os estudos se utilizam de uma variedade de métodos distintos que variam em qualitativo, quantitativo, teórico e misto, envolvendo estratégias metodológicas tanto advindas tanto da perspectiva qualitativa, quanto da quantitativa. Havendo uma ligeira maioria de estudos mistos e qualitativos, sendo 18 dos trabalhos (ou 58%). Considerando os autores dos estudos, estes são majoritariamente vinculados a instituições de ensino superior do Nordeste. Observamos, também, a variação dos 31 estudos revisados pelo ano de publicação, tendo maior frequência o ano de 2016, com 11 trabalhos (ou 35,5%).
Quanto ao contexto de realização dos estudos, embora seja evidente que todos os estudos desenvolvidos se ambientam em contextos de pobreza, cabe destacar que existe uma diversidade de contextos. Cabe salientar que todos têm territórios localizados no nordeste do país, porém é possível observar que cerca de 70,9% (22) destes são localizados exclusivamente na região. Ademais, com a mesma porcentagem de 12,9% (04), encontram-se territórios de estudos localizados na região nordeste e sul e territórios localizados no nordeste, sul e norte e, representando 3,2% (1) dos trabalhos, há um estudo realizado em território localizado no norte e nordeste.
Importante situar que a pobreza enquanto fenômeno multifacetado se manifesta de diferentes formas e o contexto em que se vive é um dos fatores que podem se apresentar tanto quanto de proteção ou agravamento das condições de pobreza. Assim, analisando a partir dos dados obtidos nos estudos empíricos (N=25) sobre o contexto, observamos que estes se dividem em urbano (40%), rural (36%) e em ambos os contextos (24%). Ademais, como pontuam Nepomuceno, Barbosa, Ximenes e Cardoso (2017) o compromisso na atuação junto as pobrezas, requer dos e das pesquisadoras o investimento em desenvolver instrumentais, partindo de diferentes abordagens metodológicas, diversificados e adequados para atuar junto a estas realidades socioculturais. Sendo importante considerar que há diferenças relevantes entre a pobreza vivida em contexto rural e urbano, tanto considerando os aspectos de opressão quanto de enfrentamento da pobreza. Estanislau et al. (2018) corrobora esta compreensão quando traz em seus estudos resultados que apontam para uma vulnerabilidade maior de pobreza multidimensional na população rural em comparação a população urbana de sua amostra. O que deixa evidente a relevância da realização de estudos que analisem tanto contextos urbanos, quanto rurais. Importante também salientar que mesmo entre contextos rurais há distintas experiências de ruralidades, como bem pontua Ximenes, Carvalho, Bacelar e Vale (2020b), não é possível apresentá-los de forma homogênea. Contudo, não se pretende destrinchar estas questões aqui. Mas, apontar que ao considerar estas análises é preciso observar que mesmo os estudos que trabalham apenas com amostras de contextos rurais, a exemplo de Ximenes et al. (2020a; 2020b), apresentam formas distintas de ruralidades.
Quanto aos participantes dos estudos empíricos, cabe pontuar que a maioria se identificou como pertencente ao sexo feminino, representando cerca de 69% dos participantes, e com média de idade de aproximadamente 37 anos (DP = 7,44). Considerando que levamos em consideração os resultados obtidos nos estudos com diferentes delineamentos de análises, é possível inferir que haja uma possível tendência dos estudos em terem uma representação maior de participantes do sexo feminino e na idade adulta.
Considerando as implicações psicossociais da pobreza e seus aspectos de opressão e enfrentamento, também é possível apresentar uma divisão dos estudos selecionados. Embora as discussões sobre implicações psicossociais da pobreza sejam transversais a todos os trabalhos selecionados, é possível observar que 38,70% (12) focam suas análises mais em aspectos de enfrentamento e 35,48% (11) em aspectos relacionados a opressão. Os outros 25,80% (08) restantes não seguem essa divisão de forma nítida, apresentando elementos de ambos os aspectos. Ademais, os estudos em análise nos possibilitam importantes reflexões acerca das “implicações psicossociais da pobreza”, pois, enquanto termo ou expressão utilizada nos textos sobre pobreza, a expressão é conhecida. Porém, tanto pode referir-se aos processos de enfrentamento quanto aos de opressão a pobreza. Cabendo, a reflexão sobre o seu objeto de análise e quais as possibilidades abordadas no campo da Psicologia Comunitária. Nesse sentido, observa-se na produção analisada que as produções iniciais, se focalizam na visibilização da pobreza, portanto, em seus aspectos de opressão. E os estudos mais recentes, em processo de enfrentamento. Isso, indica um importante pista das implicações psicossociais da pobreza. Como constituídas de uma linha contínua, que inicialmente visibiliza suas opressões, e ao visibilizá-las, emerge a relevância do compromisso com a mudança social, que Góis (1996) entende como função da psicóloga comunitária. Assim, a necessária importância de desvelar, fortalecer e/ou construir estratégias de enfrentamento nestes contextos de pobreza. Nesse sentido, é preciso um esforço de reconhecimento da pobreza como mazela, mais, também de construção coletiva para a mudança social (Ximenes & Góis, 2010).
Implicações psicossociais da pobreza
Considera-se relevante pontuar que a terminologia “implicações psicossociais da pobreza” emerge a partir dos estudos desenvolvidos no NUCOM sobre pobreza (Ximenes et al., 2016a). Os trabalhos em análise vão utilizar desta terminologia para fincar um campo teórico-prático de atuação em Psicologia Comunitária junto a pobreza que busca, por um lado, visibilizar as opressões, e por outro, entender e/ou fortalecer as estratégias de enfrentamento fomentadas em tais contextos. Estas implicações psicossociais da pobreza para Nepomuceno (2013) significam:
[...] dar atenção às significações, pensamentos, comportamentos e afetos singulares e coletivos produzidos em meio ao contexto de desigualdade social e privação. Indagar como as pessoas que vivem na pobreza significam a si mesmas e a sua realidade e que sentimentos, comportamentos e modos de sociabilidade são produzidos neste contexto (p.58).
Assim, podemos inferir que, diferentemente de outras abordagens para o enfrentamento da pobreza que focalizam suas ações somente na perspectiva monetária, a atuação da Psicologia Comunitária, a partir da análise das implicações psicossociais da pobreza, pressupõe que as ações precisam dialogar profundamente com a vida das pessoas numa perspectiva multidimensional de pobreza (Ximenes et al., 2015a). Nepomuceno (2013) também destaca que o termo psicossocial trata da compreensão da interrelação entre o social e humano e que pensar a dimensão psicossocial da pobreza é colocar em evidência os processos de constituição de subjetividades a partir das condições dos modos de vida em pobreza.
Assim, as implicações psicossociais das pobrezas podem ser percebidas nos modos de vida das pessoas, não apenas por conviverem com carências, mas por seus modos de ser, suas formas de interpretarem seus modos de vida e como agem, pensam, sonham e lidam com o cotidiano. Neste sentido, entende-se que é necessário, considerando o âmbito da Psicologia Comunitária em contextos de pobrezas, uma perspectiva ética e política que tome como cerne de ação e intervenção a compreensão de que existem fatores de opressão envoltos sobre a pobreza que desqualificam, desmobilizam e tornam as pessoas mais vulneráveis a este contexto e estes precisam serem desvelados (Nepomuceno, Silva & Ximenes, 2016).
Deste modo, Nepomuceno et al. (2017) apontam que as implicações psicossociais têm efeito sobre a produção e perpetuação da pobreza, pois partem da concepção de que a vivência em contextos de pobreza afeta as pessoas e seus territórios para além das privações monetárias e/ou alimentares. Ximenes e Cidade (2016) corroboram com o entendimento de que a manutenção da pobreza é possível a partir de fatores econômicos, culturais e ideológicos que causam impactos psicossociais sob as condições de vida marcadas pelas desigualdades sociais, por situações precárias de moradia e/ou o não acesso a esta, por dificuldades de acesso a políticas públicas, além de vivências de humilhação e vergonha pela condição de ser pobre. Silva, Feitosa, Nepomuceno, Silva, Ximenes e Bonfim (2016) também consideram a relevância de evidenciar esses fatores de manutenção da pobreza, pois estes fomentam implicações materiais e simbólicas da pobreza na constituição do psiquismo humano, sendo relevante conhecer os seus significados, sentidos e afetos dados por cada pessoa que vivencia tais contextos de privação.
Neste sentido, podemos compreender que as implicações psicossociais da pobreza emergem dessas interrelações entre aspectos sociais, ideológicos, culturais, psicológicos, econômicos e políticos que mantém e reforçam estas estruturas opressoras, causando efeitos de submissão e resignação aos sujeitos envolvidos. Ademais, a diversidade de contextos de realização dos estudos empíricos também aponta para essa compreensão da relevância de compreensão dos distintos contextos de pobreza vividos, que denotam diferentes vivências das pessoas.
Processos de enfrentamento à pobreza
A partir dos estudos analisados foi possível perceber que se reconhecem distintas percepções sobre o que é enfrentamento e que estas diferentes possibilidades perpassam também possibilidades diversas de intervenção. Nepomuceno et al. (2016) apontam que o enfrentamento, a priori, é postulado como a capacidade adaptativa das pessoas reagirem a situações de estresse a que estas eram expostas, sendo assim, um mecanismo de resposta entre pessoa e ambiente. Ademais, é importante considerar que este enfrentamento da pobreza não pode ser encarado apenas como uma ação/atividade individual em função da situação estressora vivida. Desta forma, Estanislau, Feitosa, Ximenes, Silva, Araújo e Bomfim (2018) consideram que este enfrentamento deve favorecer o enfoque comunitário ao invés dos individuais e deterministas a partir de ações coletivas, comunitárias, familiares e individuais, pois, juntas ou associadas, estas podem ser mais eficazes para o enfrentamento do estresse cotidiano e da pobreza.
Silva et al. (2016) ainda apresentam outros aspectos relativos ao enfrentamento, compreendendo este enquanto estratégia psicossocial de caráter relacional que apresenta possibilidades de respostas afetivas, comportamentais e cognitivas às condições de pobreza vividas. Sendo assim, há um repertório amplo de significados e sentidos desenvolvidos e elaborados pelas pessoas em resposta aos processos de submissão e opressão. Desta perspectiva, o enfrentamento da pobreza pelas pessoas depende dos recursos disponíveis a estes, tanto numa esfera individual, quanto socio-comunitária. Cabe destaque, dentro das discussões sobre o enfrentamento da pobreza nos trabalhos analisados, ao modelo representativo das Estratégias Psicossociais de Enfrentamento, delimitado por Cidade (2019), que está constituído a partir de três categorias, sendo estas: a compreensão das pessoas de como devem se colocar diante das adversidades, os empecilhos para o enfrentamento destas adversidades e os fatores que contribuem para a superação destas.
Neste sentido, este modelo, que emerge da discussão teórica e das vivências desenvolvidas por Cidade (2019), pretende avançar o conceito tanto do ponto de vista teórico, quanto prático. O conceito perpassa a intrínseca relação do enfrentamento com a pobreza, reafirmando que os fatores que produzem adversidades precisam ser lidos a partir de quem os vive, portanto, das realidades concretas das pessoas pobres e, também, com base na dinâmica dos processos de opressão-enfrentamento. Assim, as discussões sobre os enfrentamentos psicossociais da pobreza compreendem a complexidade do fenômeno e suas complexas formas de enfrentamento que incluem as estratégias possíveis aos sujeitos, como também o seu contexto social, incluindo políticas públicas e demais possibilidades de apoio social que se tornam mais escassas nos cenários de privação, sendo importante, da mesma forma, entender tais dinâmicas sociais para compreender como os sujeitos se colocam diante das adversidades (Cidade, 2019).
Dentro desta perspectiva analítica de enfrentamento à pobreza, cabem destacar que os estudos em análise também discutem a temática por meio de outras categorias analíticas, tais como: Apoio e Suporte Social, Bem-Estar Pessoal, Sentido de Comunidade, dentre outras. Dentre essas categorias, a que mais se destaca nos estudos é o Apoio e Suporte Social. Isto pode se dever pelo Apoio Social, como pontua Nepomuceno (2013), ter um aspecto mais prático e palpável, à medida que este pode ser sentido a partir de informações e/ou auxílios ofertados por grupos e pessoas que acarretam efeitos comportamentais positivos e emocionais.
Também devemos considerar que os trabalhos analisados têm se utilizado das terminologias tanto de apoio social como de suporte social. Ximenes et al. (2020b) apontam em seus estudos que existem similaridades entre estes dois termos, pois estes relatam os “aspectos qualitativos das relações sociais como os tipos de contexto, os atores envolvidos nas interações e as funções que assumem para os indivíduos” (p. 250). O que também é corroborado por Ximenes et al. (2020a) quando pontuam o apoio social enquanto suporte psicossocial na atuação junto ao enfrentamento das situações de opressão em prol da integração e do bem-estar social. Nepomuceno (2019) também reporta que o suporte social perpassa a percepção que a pessoa tenha sobre o apoio que é recebido e o apoio que é compartilhado, incluindo uma avaliação sobre o nível de integração que exista entre as pessoas e suas redes relacionais, seus entornos e os serviços disponíveis.
Silva et al. (2016) consideram que o apoio social se estrutura a partir de quatro tipos principais de fontes, sendo estes: o apoio familiar; o apoio institucional; o apoio religioso e o apoio comunitário. Neste sentido, é importante destacar os resultados obtidos a partir de Nepomuceno (2013), Estanislau et al. (2018), Cidade (2019) e Ximenes et al. (2020a), pois, para os e as participantes destes estudos, o apoio social emerge majoritariamente do apoio familiar e religioso. Isto pode se dar pois os territórios analisados estão em condição de pobreza, onde não é incomum a ausência de políticas públicas, ainda mais considerando que parte destes ficam em zonas rurais, tornando o acesso ainda mais difícil. Silva et al. (2016) apontam, também, que estas diversas fontes atuam de forma integrada e sobreposta, logo, se uma das fontes é mais ineficiente, outras fontes emergem com mais força e, nesses contextos, a família tem sido essa fonte.
Ademais, é comum as pessoas se referirem ao apoio tido de Deus e/ou da religião para o enfrentamento de suas dificuldades. Esta tendência é observada nos trabalhos do NUCOM e nos diálogos produzidos por estes com outros trabalhos e autores (Nepomuceno, 2013; Silva et al., 2016; Ximenes et al. 2020b). Importante considerar que há também uma distinção entre o apoio social percebido pelos moradores e moradoras e o apoio disponível que é de fato o que está ao alcance destes e que isto também afeta como as pessoas autorrelatam as fontes que consideram relevantes (Carvalho et al. 2020).
Consideramos que, dentro das produções analisadas, há uma diversidade de contextos que têm em comum a busca por apresentar as interconexões entre o apoio social e a pobreza multidimensional, sendo o apoio social uma dimensão que tem se observado presente mesmo considerando as iniquidades dos territórios. Isso porque tal dimensão pode ser tida por redes de apoio externas e internas, sendo importante conhecer essas fontes e tipos de apoio social, pois estas têm relevantes pistas das estratégias que são utilizadas pelas pessoas para o enfrentamento das pobrezas. É preciso, também, se atentar se essas fontes de apoio não têm deixado os sujeitos numa posição inativa, esperando que suas necessidades sejam sanadas por terceiros (Silva et al.,2016).
No entanto, como aponta Nepomuceno et al. (2016) é relevante considerar que partes destas iniquidades advém das macroestruturas sociais opressoras e não cabe ao sujeito a resolutividade de todas as questões. Porém, é preciso que estas fontes de apoio incluam o sujeito como operador de sua própria vida, fomentando formas de propiciar a autonomia e a capacidade de enfrentamento das relações opressoras de exploração e exclusão.
Processos de opressão relacionado à pobreza
Quanto aos processos de opressão relacionados a pobreza, cabe apontar que estes dizem respeito aos efeitos negativos atrelados às vivências em condições de adversidades que se relacionam às estruturas desiguais de dominação, opressão e subordinação. Estas estruturas fomentam processos de estigmatização e discriminação que afetam, em menor ou maior grau, as vivências das pessoas (Estanislau & Ximenes, 2016). Os trabalhos em análise nessa revisão apresentam categorias analíticas relacionadas à opressão, tais como: vergonha, humilhação e fatalismo, dentre outras, e não discussões específicas sobre opressão como pode-se observar em relação ao enfrentamento.
A partir dos estudos analisados foi possível perceber que uma das categorias mais presentes foi o fatalismo. Fatalismo pode ser lido como a concepção de que o sujeito não tem como mudar suas condições de vida e que estas mudanças só podem vir através de forças externas a estes (Cidade, 2019). Tal aspecto se relaciona à pobreza pois, como pontuam Ximenes e Cidade (2016), o fatalismo, enquanto categoria psicossocial da pobreza, fomenta formas de vidas para aceitação e conformidade com as injustiças sociais, o que acarreta culpabilização pela situação de pobreza vivida e despontencializa os sujeitos frente às situações de opressão.
Outra questão importante em relação a fatalismo em condições de pobreza, é que este pode emergir, como pontua Cidade et al. (2012), de um processo de opressão sentido ao longo da vida e de inúmeras tentativas de enfrentamento frustradas que não possibilitaram mudanças na realidade vivida, o que pode aumentar a percepção de que a situação vivida não pode ser superada, a qual é fortalecida pela própria estrutura social desigual. Uma vez que a própria estrutura social é cerceada por profundas iniquidades sociais, diminui-se as possibilidades de mobilização, pois as condições de pobrezas perpassam múltiplas privações que podem diminuir o sentimento de esperança em uma possível mudança social.
Cidade (2019) também contribui com a discussão sobre o fatalismo quando propõe analisar o fatalismo a partir de um conjunto de fenômenos, que não só a pobreza, e pontuando que a interação entre estes possibilita a compreensão das dimensões que compõem a categoria, sendo estas: controle divino, predestinação, presentismo e pessimismo. Cada um destes elementos que compõe essa categoria analítica se manifesta em menor ou maior grau nas estruturas sociais em condição de pobreza.
Contudo, Ximenes e Cidade (2016) também apontam que, embora o fatalismo seja considerado uma categoria psicossocial de opressão pelas questões já apresentadas acima, este também pode ser considerado como um fator protetivo. E isto é possível, porque, em meio às situações de opressão e as condições de vida muito marcadas pelas desigualdades e privações, o fatalismo emerge como uma possibilidade de resguardar os sujeitos de tais condições que não podem ser imediatamente modificadas por estes e/ou que não dependem apenas destes sujeitos para que se modifiquem.
O constante enfrentamento sem que haja mudanças poderia, então, causar sofrimento às pessoas e aumentar os sentimentos de inaptidão e de culpabilização pela própria condição de pobreza. Porém, Cidade (2019) aponta que é importante a criticidade ao reconhecer o fatalismo a partir deste prisma, pois a naturalização da pobreza pode impedir que os sujeitos possam fomentar o reconhecimento das estruturas macro e microssociais que mobilizam as opressões e, assim, a construção de estratégias para o enfrentamento da pobreza se tornam mais difíceis.
Já a vergonha e a humilhação se caracterizam como categorias analíticas que se relacionam aos aspectos de opressões da pobreza, pois, como aponta Nepomuceno (2015), afetam diretamente as vivencias das pessoas neste contexto, provocando sentimentos de autodepreciação, de desvalor, desagregação e exclusão social, dentre outros. Contudo, é relevante apontar que é possível que haja processos de vergonha e humilhação que não se relacionem com a situação de pobreza, mas, Moura Jr (2015) destaca que a vivência da pobreza é permeada por processos de estigmas e discriminação que tornam a vergonha e a humilhação muito perversas neste contexto.
Ademais, Moura Jr e Ximenes (2016) reconhecem que estar em situação de pobreza numa sociedade desigual como a brasileira acarreta às pessoas consequências que estão para além das questões materiais, as fragilizando em outras dimensões da vida, incluindo uma concepção autodepreciativa de si, ocasionada pelos estigmas de estar em situação de pobreza. Moura Jr (2015) também destaca que a estigmatização da pobreza fomenta atos de humilhação contra as pessoas em situação de pobreza, podendo gerar sentimentos de vergonha e isso fragiliza os sujeitos, diminuindo sua capacidade de agência, como também afeta o seu bem-estar pessoal.
Assim, Moura Jr, Ximenes e Sarriera (2013) apontam que as pessoas em situação de pobreza acabam experimentando sensações e sentimentos de fraqueza, isolamento, constrangimento, isolamento, dentre outros. Deste modo, Moura Jr (2015) destaca que “essa dinâmica é uma estratégia de dominação, transmutando uma prática social de estigmatização para uma constituição psicológica” (p. 100). Ademais, é importante estar atento a tais aspectos, por estes estarem enraizados na constituição social brasileira, perpassando aqueles que sofrem processos de opressão que diminuem a capacidade de enfrentamento destes, sendo relevante o investimento no bem-estar pessoal e em outras estratégias de enfrentamento (Moura Jr & Ximenes, 2016).
Neste sentido, os processos de opressão relativos à pobreza tendem a vulnerabilizar as pessoas que vivenciam tais contextos. Pois perpassam também a própria constituição do sujeito e suas teias de relações familiares, comunitárias e sociais, que fomentam manutenção e fortalecimento de desigualdades, subordinação e resignação dos sujeitos afetados pela pobreza.
Para tanto, entende-se que as implicações psicossociais da pobreza são constituídas a partir de aspectos de enfrentamento e opressão e que estes não se encontram de forma dissociadas nas realidades concretas. Pelo contrário, só a partir da visibilização dos aspectos de opressão é que é possível fomentar estratégias de enfrentamento mais efetivas. Assim, propomos este modelo síntese, na figura 1, do que foi possível identificar a partir desta revisão.
Desta forma, compreende-se que as implicações psicossociais da pobreza, enquanto categoria analítica pode fomentar estratégias tanto de visibilização quanto de enfrentamento das condições de opressão vividas pelas pessoas em situação de pobreza, e em última instância a Psicologia Comunitária se inscreve como esta práxis comprometida com a mudança social que só é possível a partir do compromisso ético político com as classes em situação de opressão, não apenas em apontar as injustiças sociais, mas, também na proposição e facilitação das estratégias de enfrentamento (Góis, 1993).
Assim, as implicações psicossociais da pobreza se relacionam a uma perspectiva crítica de reconhecimento dos processos menos visíveis da pobreza, mas, que impactam a vida dos sujeitos de forma profunda. Para tanto, possibilita a análise de aspectos não-materiais da pobreza, na medida, que fomenta discussões a partir dessas categorias psicossociais que dão pistas das estratégias de sobrevivência dos sujeitos no contexto de privação, e, como este contexto interfere na identidade individual e coletiva da pessoa em situação de pobreza.
Por fim, as implicações psicossociais da pobreza podem ampliar as análises da pobreza, e especialmente do construto da pobreza subjetiva. Isso porque, ao incluir a dimensão subjetiva da pobreza nos estudos e análises realizadas, se expande a concepção desta enquanto autopercepção da pobreza. Pois desvela que processos de opressão e enfrentamento atravessam estas vivências.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi analisar as implicações psicossociais das pobrezas sob o ponto de vista teórico a partir das produções do NUCOM. Os resultados apontaram para a complexidade das implicações psicossociais da pobreza, que perpassam aspectos de enfrentamento e opressão, e fortalecem a concepção de que para uma leitura psicossocial da pobreza é necessária uma proximidade das realidades vividas e de quem sofre por tal fenômeno. Assim, compreende-se que a produção realizada tem sido majoritariamente empírica e tomado como sujeito de análises as populações pobres, a partir do reconhecimento de que são essas que sofrem as mazelas da pobreza e suas intersecções. Nota-se, também, que houve produções que investigaram múltiplos contextos de pobreza e em regiões diferentes do país, o que pode apontar para a complexidade do fenômeno das implicações psicossociais da pobreza, pois estas se relacionam com diversos contextos e são influenciadas por estes. Percebe-se, ainda, que essa temática recebeu diferentes possibilidades de análise a partir dos diferentes métodos utilizados, o que também demonstra as múltiplas possibilidades de abordar o tema das pobrezas. Ademais, a estrutura teórica que se apresenta perpassa, então, uma perspectiva de implicações psicossociais da pobreza que inclui aspectos de enfrentamento, destacando as categorias analíticas como o sentido de comunidade e o apoio/suporte social, como aspectos de opressão mais comumente observáveis, que se manifestam a partir de categorias analíticas como o fatalismo, vergonha e humilhação. A partir disso, entende-se a possibilidade de que esta produção de conhecimento implicada à problemática da pobreza sobre a vida das pessoas e comunidades pobres pode facilitar com que este conhecimento seja utilizado na perspectiva de produzir efeitos práticos sobre as realidades concretas, especialmente, sobre as populações mais vulneráveis.
O nosso estudo teve como limitação o recorte situado do estudo, que, mesmo buscando aprofundamento, não pode ser generalizado. Outra limitação é a não inclusão da produção em língua inglesa. Portanto, novos estudos podem ser realizados para ampliar a compreensão entre a relação entre Psicologia Comunitária e Pobreza considerando as implicações psicossociais do fenômeno sobre a vida das comunidades pobres. Contudo, cabe considerar o ineditismo de revisitar a produção teórico-prática analiticamente, para propor um modelo teórico explicativo sobre as implicações psicossociais da pobreza no campo da Psicologia Comunitária. Isso, pode favorecer um avanço para estudos futuros, na medida que estes possam integralizar aspectos de opressão e enfrentamento afim de produzir efeitos psicossociais sobre os contextos de pobreza, partindo do a priori analisado, que empreende diversas estratégias de produzir novos possíveis na produção de conhecimento acerca da pobreza considerando as contribuindo realizadas pelo NUCOM.
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