Revista de Psicologia, Fortaleza, v.14, e023003. jan./dez. 2023

DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.e023003

 

 

RECEBIDO EM: 17/07/2022

PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 19/08/2022

VERSÃO FINAL: 16/11/2022

APROVADO EM: 29/11/2022

 

Trocas afetivas mãe-bebê e metas de socialização emocional

Affective exchanges and maternal goals of socialization of emotions

 

Clarice Bieler

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, orcid.org/0000-0003-4853-7627, doutorado em Psicologia Social (UERJ), membro do grupo de pesquisa Desenvolvimento Socioemocional e Parentalidade, UERJ, Rua Max Fleiuss, 14, casa, Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 20.530-280. Telefone: 98101-8719, email: cbieler95@gmail.com.              

 

Deise Maria Leal Fernandes Mendes

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, orcid.org/0000-0003-3487-7284, doutorado em Psicologia Social (UERJ), professora associada(aposentada) da UERJ, coordenadora do grupo de pesquisa Desenvolvimento Socioemocional e Parentalidade, Telefone: 2437-8971, email: deisefmendes@gmail.com.

 

 

 

Resumo

Trocas afetivas favorecem o desenvolvimento inicial e podem ser impactas por metas maternas. Esse estudo investigou trocas e tentativas de trocas afetivas, metas maternas de socialização emocional e associações entre esses domínios. Foram filmadas observações de 20 mães primíparas e bebês (dois/três meses) do Rio de Janeiro e as mães foram entrevistadas. Realizou-se análise de vídeo, de conteúdo, e os resultados indicaram, em média, 5,5 trocas e 13,8 tentativas por díade, e 2,38 turnos por troca. A mãe promoveu maior frequência de trocas afetivas (90%) e tentativas de trocas afetivas (99%), pela fala. Nas trocas, o sorriso do bebê foi a expressão emocional predominante, e dos comportamentos afetivos maternos, a fala. Análise das entrevistas indicou valorização de metas de autonomia, prezando relações de proximidade, sem serem encontradas associações entre metas maternas e características das trocas analisadas. Porém, o estudo mostrou haver certa complexidade nas trocas afetivas mãe-bebê no momento do desenvolvimento e contexto estudados, com participação ativa do bebê. Propõe-se manter a hipótese de que as metas maternas impactam a expressividade dos bebês nas trocas, suscitando novos estudos. Investigações longitudinais e transversais com mais de uma visita e maior amostra são sugeridas, explorando variáveis sociodemográficas diversas.

Palavras-chave: Relações mãe-criança; afeição; expressões faciais; relações familiares.

 

Abstract

Affective exchanges favor early development and can be impacted by maternal goals. This study has investigated exchanges and attempts at affective exchanges, maternal emotional socialization goals, and associations among these domains. Observations of 20 mothers and babies (2/3-months-old) in Rio de Janeiro have been filmed and the mothers have been interviewed. Video and content analyses have been performed and results indicated, on average, 5.5 changes and 13.8 attempts per dyad, and 2.38 shifts per change. Mother has been the one who has most frequently promoted affective exchanges (90%) and attempts at exchanges (99%), by means of speech. In the exchanges, the baby’s smile has been the predominant emotional expression, and among the maternal affective behaviors, speech. Analysis of interviews has indicated valuing autonomy goals, valuing close relationships, without associations between maternal goals and characteristics of the analyzed exchanges. However, the study showed that there is a certain complexity in mother-baby affective exchanges at the time of development and context studied, with active baby participation. It’s proposed to maintain the hypothesis that maternal goals impact babies' expressiveness in exchanges, prompting further studies. Longitudinal and cross-sectional investigations with more than one visit and a larger sample are suggested, exploring different sociodemographic variables.

Keywords: Mother child relations; affection; facial expressions; family relations.

 

Introdução

Bebês nascem com predisposições e características que os capacitam para os primeiros contatos com outros indivíduos e para trocas afetivas que se desenvolvem após o nascimento e em resposta à experiência social adequada com um adulto responsivo e afetuoso (Gerhard, 2017). O papel das trocas nas interações iniciais com os outros é objeto de interesse na psicologia do desenvolvimento (Seidl-de-Moura, 2018). Para compreender sua constituição e natureza, é assumida uma abordagem que articula a psicologia evolucionista e as perspectivas socioculturais (Seidl-de-Moura, 2005), levando em conta atributos da espécie humana que evoluíram pela seleção natural, presentes ao nascimento ou muito cedo e que vão assumindo, ao longo da ontogênese, variadas formas e significados em função do ambiente sociocultural em que o desenvolvimento ocorre.

Pesquisas relatam habilidades dos bebês que favorecem as interações iniciais, como o incremento nos períodos em estados de alerta, no controle de movimentos, na atenção a pessoas e na discriminação dos toques afetivos dos outros (Rochat, 2015). Há relatos de aumento de expressões faciais em presença de sorrisos e da fala das mães (Trevarthen, 2011), de “sequências narrativas” visíveis (Gratier & Trevarthen, 2008), de conexão emocional com as mães (Beebe et al., 2018), de demonstração de interesses com o olhar (Nunes, Aquino, & Salomão, 2018) e de regulação ativa da proximidade com a mãe desde o primeiro mês de vida (Neder, Ferreira, & Amorim, 2020), da capacidade de reconhecer o cuidador (Alvarenga, Paixão, Soares, & Silva, 2018) e de imitação (Moura, Souza, & Amorim, 2020).

 

Mudanças importantes ocorrem entre o final do primeiro e do terceiro mês, momento em que os bebês discriminam emoções, mantêm contato e atenção visual e imitam expressões emocionais (Striano, 2001). O sorriso, visto por mães de alguns contextos socioculturais como expressão de felicidade (Nunes et al., 2018) e afeto ideal (Wefers, Schwarz, Chacón, & Kärtner, 2022), ocorre predominantemente quando a mãe está sorrindo e o bebê olhando para sua face (Messinger, Fogel, & Dickson, 2001) e tende a aumentar sua frequência quando a mãe vocaliza ou sorri, provocando respostas contingentes (Mendes & Seidl-de-Moura, 2014). Assim, a dinâmica interativa inclui predisposições do bebê, seus desdobramentos e aspectos que emergem do processo de desenvolvimento e pode ser pensada como decorrente de herança filogenética associada a possibilidades, limitações, expectativas e valores próprios do contexto sociocultural em que se vive e que forjam uma trajetória ontogenética.

Estudos realizados em contextos diversos informam que as expressões emocionais dos bebês e os comportamentos afetivos maternos sofrem impacto da cultura, podendo estar associados a significados e valorizações diferenciados (Keller, 2018; Wefers et al., 2022). Em grupos urbanos ocidentais, por exemplo, a preponderância de interações face a face em trocas afetivas tem sido relatada (Keller & Kärtner, 2013).

Keller (2007) relata amplamente diferenças entre um contexto desse tipo e outro em ambiente rural, não ocidental. No primeiro, há expectativas do adulto de que o bebê manifeste emoções consideradas positivas e a crença de que assim mostra que está alegre e satisfeito. A mãe, com frequência, o estimula a sorrir através da fala e comportamentos afetivos (Wörman, Holodynski, Kärtner, & Keller, 2012). O choro, desde o nascimento, é visto como recurso comunicativo e pista a ser interpretada, propiciando proximidade e interação (Dentz & Amorim, 2020). As trocas assim estabelecidas parecem favorecer o incremento de expressões faciais de emoção.

No segundo, as práticas de cuidado promovem tipos diferentes de troca afetiva, uma vez que as mães carregam seus bebês atados às costas durante o trabalho diário no campo, estabelecendo trocas mais centradas no contato corporal e não tanto em interações face a face. Ademais, como a taxa de mortalidade infantil é alta, manifestações como o choro são inibidas, pois costumam ser associadas a problemas e falta de saúde do bebê.

Articuladas a tais expectativas, valores e crenças, encontram-se as metas parentais de socialização. Indicam os objetivos dos pais sobre como desejam que seus filhos sejam no futuro e o que esperam que sua criação ajude a promover. Tais metas, que incluem as que se referem a capacidades emocionais, têm sido avaliadas em diversos contextos como sendo também influenciadas culturalmente (Otto & Keller, 2016). Nesse sentido, a concepção teórica formulada por Keller e Kärtner (2013) indica metas de socialização para três trajetórias de desenvolvimento do self: um modelo que favorece o desenvolvimento da autonomia, com intenção de que a criança se torne independente e autoconfiante; outro que favorece a interdependência, a conexão com outras pessoas, buscando manter harmonia nas trocas sociais, e um terceiro que engloba autonomia e interdependência.

Investigar metas e expectativas parentais sobre emoções informa não apenas sobre o que desejam, mas também sobre as reações dos pais frente às manifestações emocionais dos filhos (apoiar, incentivar, rejeitar ou ignorar). Assim, em contextos em que a felicidade do filho é vista como atrelada à autoconfiança emocional, o impacto da parentalidade no desenvolvimento das capacidades da criança para reconhecer, expressar e lidar com emoções se dá de um modo diferente do que naqueles em que são priorizados o autocontrole e a maior capacidade da criança em atender a expectativas sociais quanto às regras de exibição de suas emoções (Fonseca, Cavalcante, & Mendes, 2017; Mendes, Sant’Anna, & Ramos, 2019).

Variáveis sociodemográficas de um contexto, como a escolaridade da mãe, podem ser fontes de variação na formulação das metas de socialização de emoções. Keller e Otto (2009) relatam que mães de um ambiente urbano com alto nível de escolaridade priorizaram metas de socialização voltadas para autonomia e não tanto metas de socialização relacional, de modo inverso ao que obtiveram com mães de um contexto rural com nível de escolaridade bem mais baixo. Diferenças também podem ocorrer em um mesmo contexto, relativamente à escolaridade, como mostra um estudo brasileiro (Fonseca et al., 2017). Contrastando dois grupos de mães de um contexto rural, um deles, de mães com escolaridade superior, priorizou metas de autonomia, enquanto o outro, de mães com nível médio, valorizou metas de autonomia e de emotividade.

Estudos sobre metas parentais de socialização emocional também informam sobre a atuação parental para alcançar as metas desejadas e têm destacado a importância de orientar/educar (Fonseca et al., 2017; Mendes et al., 2019). Nesses estudos, mães brasileiras, em ambientes rural e urbano, relataram acreditar ser papel delas participar do desenvolvimento dos filhos ensinando e explicando sobre emoções.

Com base nessas ideias, considerou-se relevante estudar trocas afetivas mãe-bebê que ocorrem aos dois/três meses, metas maternas de socialização de emoções e possíveis imbricações entre esses fenômenos, uma vez que: (a) há um número limitado de investigações na literatura tratando de trocas afetivas mãe-bebê no período estudado, sendo em número significativamente menor as que analisam sequências de comportamentos afetivos de mães em resposta a expressões emocionais de bebês e vice-versa, e (b) poucas são as que tratam de metas de socialização de emoções, e (c) entre as encontradas com foco em trocas afetivas ou em metas de socialização de emoções, não foi identificada nenhuma que trate da articulação entre elas e, especificamente, que seja voltada para bebês na faixa etária estudada. Assim sendo, buscou-se, nesse estudo, conhecer as trocas afetivas e as suas tentativas em interações mãe-bebê aos dois e três meses de idade dos bebês, considerando expressões emocionais destes e comportamentos afetivos maternos, as metas e intenções de práticas envolvidas na socialização de emoções, bem como associações entre características dessas trocas e as metas de socialização de emoções manifestadas por mães residentes no Rio de Janeiro.

Método

 Participantes

Participaram 20 mães com mais de 18 anos e seus bebês saudáveis de dois a três meses de idade, com média de 93,61 dias de nascidos (DP =13,14), sendo 11 meninos (55%). Como critérios de inclusão, além da idade do bebê, foi requerido que mãe tivesse mais de18 anos. As mães eram todas primíparas e relataram ser casadas ou viver em união estável, sendo 19 residentes na cidade do Rio de Janeiro e uma em Nova Iguaçu (município próximo), com idade média de 33,35 anos (DP=4,31). O nível de escolaridade declarado indicou que 16 mães (80%) tinham pós-graduação, duas (10%) ensino superior completo e duas (10%) ensino médio completo.

 Procedimentos éticos

O projeto foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado, com parecer n° XXXXX. A participação foi condicionada à assinatura do Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e à autorização para uso de imagens/vídeo.

 Preparação para a coleta de dados

Foram convidadas 30 mães, sendo que dez não atendiam aos critérios de inclusão. Destas, sete foram indicações de integrantes do grupo de pesquisa das autoras e 13 de profissionais que trabalhavam com gestantes e puérperas (cinco por uma psicóloga; seis pelo projeto de extensão Maternando/UERJ; uma por uma ginecologista e uma por uma agente comunitária de saúde). Após contato inicial por telefone, foi apresentada carta-convite contendo os objetivos do estudo e pontos principais do TCLE. Com aceite, foi agendada visita em dia e horário de conveniência, e fornecidos dados de contato da primeira autora.

    Coleta de dados

Foram aplicados, no mesmo encontro e pela primeira autora, o Formulário de Identificação, com dados da mãe (nome, data de nascimento, local onde reside) e do bebê (nome, data de nascimento) e o Formulário de Dados Sociodemográficos (escolaridade, estado civil, idade que teve o primeiro filho, sexo da criança), preenchidos pela mãe (tempo médio-15 minutos). Em seguida, a díade foi observada uma vez na residência e foi solicitado que somente a mãe permanecesse com o bebê (acordado; em estado de alerta), no ambiente escolhido por ela, com orientação de procurar manter a rotina diária. Cada observação (duração de vinte minutos) foi gravada em vídeo, buscando-se enquadramento e distância que permitissem melhor visão das expressões faciais do bebê e dos comportamentos da mãe. Ao final do encontro, foram feitos registros de ocorrência em um Formulário de Registro de episódios de trocas afetivas (e tentativas) em interação mãe-bebê para eventual apoio às análises.

Foi realizada com a mãe e gravada uma entrevista (tempo médio-20 minutos), com base na utilizada por Mendes et al. (2019) com quatro questões abertas: “Que características emocionais você deseja que seu(ua) filho(a) tenha quando já for uma criança maior, digamos, mais para o final da infância?”, “O que você pensa que pode fazer para que ele ou ela desenvolva essas características?”, “Que características emocionais você deseja que seu(ua) filho(a) tenha quando for adulto(a)?’e “O que você pensa que pode fazer para que ele ou ela desenvolva essas características?”

 Redução e codificação de dados

Para redução de dados dos vídeos, a primeira autora analisou os primeiros ou os últimos dez minutos da filmagem (seleção realizada por sorteio). Foram identificados, de acordo com as categorias definidas, episódios de troca afetiva e de tentativa de troca afetiva em contexto de interação mãe-bebê, além de expressões emocionais dos bebês e de comportamentos afetivos maternos. Foram adotadas as seguintes definições:

- Tentativa de estabelecimento de troca afetiva: quando a mãe ou o bebê dirigiu uma expressão emocional (se bebê) ou um comportamento afetivo (se mãe) ao parceiro da díade, sem obter resposta afetiva, dentro do intervalo de cinco segundos (baseada na definição de interação adotada por Seidl-de-Moura et al., 2008). Diante de uma situação de ação contínua de um dos membros da díade, sem uma resposta do parceiro dentro do intervalo de tempo estabelecido, foi registrada a tentativa considerando o momento em que a ação (comportamento afetivo da mãe ou expressão emocional do bebê) iniciou e somente houve outro registro a respeito desta mesma ação se ela fosse reiniciada após ter sido interrompida por intervalo superior a cinco segundos ou se ela deflagrasse uma troca afetiva.

- Troca afetiva: quando uma tentativa de troca afetiva iniciada pela mãe ou pelo bebê, ao dirigir uma expressão emocional (se bebê) ou comportamento afetivo (se mãe) deflagrasse uma resposta do parceiro da díade, resultando em resposta, sob a forma de uma expressão emocional (se bebê) ou comportamento afetivo (se mãe), dirigida a quem iniciou a tentativa de troca afetiva, dentro do intervalo de cinco segundos (baseada na definição de interação adotada por Seidl-de-Moura et al., 2008). Para evitar distorções com a identificação dos episódios de trocas afetivas falsamente longos, diante de uma situação de ação contínua de um dos membros da díade em que houvesse uma resposta do parceiro da díade, considerou-se o início da troca afetiva um segundo antes dessa resposta, para demarcação do episódio da troca afetiva.

Expressões emocionais dos bebês e comportamentos afetivos maternos considerados como manifestações de emoções incluíram categorias e subcategorias apresentadas a seguir e as suas definições operacionais:

- Para expressões emocionais do bebê:

a) sorriso: sorriso dirigido à mãe, implicando necessariamente a extensão (esticar) dos lábios, com elevação dos cantos da boca, podendo estar presente a abertura de boca e/ou elevação de bochechas. Definição adaptada de Mendes e Seidl-de-Moura (2014).

b) choro/choramingo: choro ou choramingo dirigido à mãe, com emissão de sons de alta/relativamente alta frequência. Definição adaptada de Piccinini, Alvarenga e Frizzo (2007).

Para comportamentos afetivos maternos foram adotadas definições adaptadas de Mendes e Seidl-de-Moura (2014).

a) fala ou vocalização (F): fala ou vocalização da mãe dirigida ao bebê, incluindo sons produzidos para imitar brinquedos ou animais (onomatopeia), jogos vocais (imitar vocalizações do bebê; brincar com sons vibrando lábios; som de “mandar beijo”), cantar, monossílabos dirigidos à criança (“psiu”; “hum”; “hein?”). Não foram consideradas falas dirigidas a terceiros ou sons vegetativos (soluços, suspiros, arrotos, bocejos, espirros, tosse, estalar de língua, assovios).

b) toque afetivo: tocar propositalmente com alguma parte do corpo em alguma parte do corpo ou rosto do bebê (estando ele ou não no colo da mãe); acariciar, brincar e pegar no colo (inclui balançar braços e pernas), distinguindo-se de cuidar fisicamente (tocar no corpo do bebê para ajudá-lo a virar, dar apoio na postura e se manter sentado e/ou deitado; tocar para limpar/troca de fraldas; tocar na boca do bebê para ele mamar).

c) beijo: beijar o bebê, tocando qualquer parte de seu corpo com os lábios. Se a mãe encostou o rosto no bebê sem parecer que o fez com a intenção de dar um beijo, a codificação empregada foi de toque afetivo.

d) sorriso: sorrir, sendo esse sorriso dirigido ao bebê.

- Agente da iniciativa de tentativa de troca afetiva: qual parceiro da díade (a mãe ou o bebê) dirigiu uma expressão emocional (se bebê) ou um comportamento afetivo (se mãe) ao parceiro da díade, configurando a tentativa de uma troca afetiva.

- Agente da iniciativa de troca afetiva: qual o parceiro da díade (a mãe ou o bebê) dirigiu uma expressão emocional (se bebê) ou um comportamento afetivo (se mãe) ao parceiro da díade, configurando o início de uma troca afetiva.

- Manifestações promotoras de trocas: expressões emocionais do bebê ou comportamentos afetivos maternos dirigidos ao parceiro da díade que iniciaram uma troca afetiva.

- Turnos: cada comportamento afetivo da mãe ou cada expressão emocional do bebê dirigido ao outro (mãe ou bebê), ou conjunto de comportamentos afetivos ou de expressões emocionais simultâneos, dentro do intervalo de cinco segundos (segundo definição de Seidl-de-Moura et al., 2008).

As categorias e subcategorias identificadas, o número de turnos calculado e demais dados para análise foram registrados no Formulário de Registro de episódios de trocas afetivas (e tentativas), usado como instrumento de trabalho. As gravações de áudio das entrevistas (mães) foram transcritas verbatim, na íntegra, em arquivo Word.

No que tange às respostas à entrevista, foram usadas as mesmas categorias definidas e empregadas por Mendes et al. (2019), sendo para as perguntas 1 e 3 - Autonomia, Autocontrole, Expectativas sociais, Outros, Não Sabe; e, para as perguntas 2 e 4 – Educar/Orientar, Manter relações de proximidade pessoal, Prover condições materiais e sociais, Não se aplica, Outros e Não sabe.

Análise de dados

Análise descritiva, usando o SPSS 20.0, produziu cálculos de frequências, médias (e desvio padrão) de variáveis sociodemográficas, das ocorrências de troca afetiva e de tentativa de troca afetiva, e de turnos. Para a análise das respostas das entrevistas foi empregada a técnica de análise temático-categorial (Oliveira, 2008), sendo a identificação das unidades de registro (segmento de frase, frase ou sequência de frases) feita com base na definição das categorias estabelecidas por Mendes et al. (2019). Os dados provenientes da análise das respostas foram registrados e processados no SPSS 20.0, sendo calculadas frequências relativas, considerando o total geral de enunciações.

Para contrastar características emocionais indicadas pelas mães para o final da infância e para a vida adulta da criança, foram comparadas variáveis resultantes da análise das entrevistas, analisando-se inicialmente o pressuposto de normalidade da distribuição das variáveis e, para tal, foi utilizado o teste Shapiro-Wilk. Assim, foram comparados os totais de evocação das categorias referentes à pergunta 1 versus pergunta 3, sendo utilizado o teste paramétrico de Wilcoxon, indicado para dados de amostras pequenas.

Foram analisados os dados provenientes da entrevista em articulação com os da observação, de modo a relacionar metas de socialização de emoções quanto a características emocionais desejadas com: (1) as frequências de comportamentos afetivos maternos promotores de trocas afetivas e (2) os quantitativos de número de turnos dessas trocas. Para tal, foi empregado o teste de correlação de Spearman. Neste sentido, foi testada a correlação entre o total de evocações das categorias definidas anteriormente e o número de trocas afetivas por díade, e entre o total de evocações de cada categoria e a média do número de turnos por díade.

Resultados

Optou-se por dividir o relato dos resultados em seções. Na primeira, são apresentados os resultados da análise das observações registradas em vídeo. Na segunda, os resultados da análise das entrevistas e, na terceira seção, o que foi obtido ao relacionar-se as metas de socialização de emoções das mães com a frequência de trocas afetivas por díade e com os quantitativos de turnos.

 Resultados da análise das observações

Considerando-se o conjunto das 20 díades participantes, foram identificadas 277 tentativas de troca afetiva (71,4%) e 111 trocas afetivas (28,6%) na amostra. Ao fazer-se uma análise das trocas afetivas por díade, foi encontrado o número mínimo de uma troca e o máximo de 14 trocas, com média de 5,5 (DP=3,3) trocas por díade. Já quanto às tentativas de troca por díade, o número mínimo foi cinco e o máximo 22, com média de 13,85 (DP=4,49) tentativas de troca afetiva por díade. Na análise da complexidade das trocas afetivas (pelo número de turnos), verificou-se terem ocorrido trocas com o mínimo de dois turnos e o máximo de quatro turnos, com média de 2,38 turnos (DP=0,54) por troca afetiva.

No conjunto de todas as tentativas de troca afetiva e trocas afetivas, 375 (96,6%) episódios foram iniciados pelas mães e 13 (3,4%) pelos bebês. No total de tentativas, a mãe foi o agente da iniciativa em 276 (99,6%) episódios e em um (0,4%) a iniciativa foi do bebê. No total de trocas afetivas, 99 (89,2%) foram iniciadas pela mãe e 12 (10,8%) pelo bebê.

Dentre as trocas afetivas cujo agente da iniciativa foi o bebê, a manifestação promotora foi o sorriso em uma delas (0,9%) e em 12 foi o choro (10,8%). Dentre as trocas iniciadas pela mãe, a manifestação promotora registrada na maior parte das trocas foi a fala, com 75 trocas (67,6%), seguida do toque afetivo, 13 (11,7%), do sorriso da mãe para o bebê, nove (8,1%), e do beijo, uma (0,9%).

Os resultados quanto à ocorrência de expressões emocionais do bebê e de comportamentos afetivos maternos no conjunto das trocas afetivas e das tentativas de trocas, indicaram que, nas trocas afetivas, o sorriso do bebê foi registrado em 83 delas (74,1%), o choro em 29 (25,9%). Nas trocas, dos comportamentos afetivos maternos, a fala ocorreu em 86 (77,5%), o toque afetivo em 14 (12,6%), o beijo em duas (1,8%) e o sorriso em nove (8,1%). Nas tentativas de troca, o choro ocorreu em todas (100%) e o sorriso em nenhuma; dos comportamentos afetivos maternos, houve registro de 126 falas (45,5%), 77 toques afetivos (27,8%), 43 beijos (15,5%) e 31 sorrisos (11,2%).

Considerando o total de todas as tentativas de troca afetiva e trocas afetivas, foram encontrados 112 episódios com expressões emocionais do bebê, sendo 83 sorrisos e 28 choros e 388 episódios com comportamentos afetivos maternos (212 falas, 91 toques afetivos, 45 beijos e 40 sorrisos).

 Resultados da análise das entrevistas

Os resultados referentes às análises das características emocionais desejadas para o(a) filho(a) no final da infância e quando adulto(a) (perguntas 1 e 3), considerando valores absolutos de evocação e frequências relativas de evocações para cada categoria, indicaram:

Para a pergunta 1, considerando o total de evocações, a maioria das respostas foi classificada na categoria “autonomia”, 52 (49,5 %), com as mães mencionando conteúdos como: “entender o que que tá sentindo”, “uma pessoa segura”; “que ele seja independente”; “que ela seja feliz”. Em seguida, as classificadas na categoria “emotividade”, 38 (36,2 %), “que ele consiga se relacionar”;” que saiba acolher o amigo”; “que seja carinhosa”, “que saiba se colocar no lugar do outro”. Por fim, como “autocontrole”, 4 (3, 8%), “expectativas sociais”, 5 (4,8%), “outros”, 5 (4,8%), e uma referência à categoria “não sabe” (1,0%).

Para a pergunta 3, considerando o total de evocações, a maioria das respostas foi classificada na categoria autonomia, 39 (35,1%), sendo algumas delas: “que seja segura”, “que seja responsável e competente”, “que seja capaz”. Em seguida, as classificadas como “emotividade”, 38 (34,2%), sendo algumas delas “que respeite as pessoas”, “que tenha empatia”; e, a seguir, as classificadas como “outros”, 16 (14,4%), “autocontrole”, nove (8,1%), “expectativas sociais”, nove (8,1%) e nenhuma evocação para “não sabe”.

Ao se contrastar as características emocionais indicadas para os dois momentos da vida dos filhos, os resultados não indicaram diferenças estatisticamente significativas entre os totais de evocação para as categorias “autonomia” (Z= -1,56; p>0,05), “autocontrole” (Z= -1,67; p>0,05), “emotividade” (Z= -0,65; p>0,05) e “expectativas sociais” (Z= -0,71; p>0,05). Não foi possível aplicar o teste utilizado, o Wilcoxon, para as categorias Outros e Não sabe, devido à baixa frequência de evocação delas.

Os resultados encontrados nas respostas para as perspectivas das mães sobre suas ações para que a criança desenvolvesse as características mencionadas como metas de socialização de emoções no final da infância e quando adulto, considerando valores absolutos e frequências relativas de evocações para cada categoria (perguntas 2 e 4), indicaram, para a pergunta 2, 45 (59,2 %) evocações, classificadas na categoria “manter relações de proximidade pessoal”, com as mães mencionando conteúdos como: “acolher”, “não deixar chorar”, seguida das classificadas na categorias “educar e orientar”, “conversar”, “deixar experimentar”, 26 (34,2%), “condições materiais”, 3 (3,9%), “outros”, 2 (2,6%) e zero evocações para “não sabe” e “não se aplica”. Para a pergunta 4, os resultados indicaram 33 evocações (47,1%), classificadas nas categorias “manter relações de proximidade pessoal”, com as mães mencionando conteúdos como: “passar segurança”, “estar perto”, “educar e orientar”, 32 (45,7%), “dar exemplo”, “incentivar escolhas”, “condições materiais”, cinco evocações (7,1%) e zero evocações para as categorias “outros”, “não sabe” e “não se aplica”.

 Resultados da análise da relação das metas de socialização de emoções das mães para os filhos com características das trocas afetivas entre mães e bebês

Ao buscar relacionar as metas de socialização de emoções das mães para os filhos no final da infância e quando adulto com características das trocas afetivas entre mães e bebês, os resultados indicaram não haver correlação estatisticamente significativa entre o total de evocações de cada categoria das perguntas 1 e 3 da entrevista e o número de trocas afetivas por díade, assim como entre o total de evocações de cada categoria e a média do número de turnos por díade.

Discussão

As análises das observações indicaram que, no conjunto de díades, os bebês de dois/três meses produziram expressões faciais de emoção, tentaram realizar trocas, reagiram afetivamente a comportamentos afetivos maternos dirigidos a eles e forneceram respostas afetivas, sendo as mães quem mais promoveu trocas afetivas. Essas manifestações dos bebês parecem estar em consonância com relatos de estudos em contextos socioculturais comparáveis (Keller & Otto, 2009; Wörman et al., 2012). Pode-se pensar ainda que, no contexto sociocultural e momento de desenvolvimento dos bebês investigados, tanto mães como bebês participam ativamente de trocas afetivas e que essa dinâmica é favorecida por comportamentos afetivos maternos que buscam a interação e suscitar manifestações emocionais de seus bebês, como indicam estudos em contextos análogos (Keller & Otto, 2009; Mendes & Seidl-de-Moura, 2014).

Os resultados convergiram com os que indicam que bebês nos primeiros meses de vida discriminam emoções, mantêm contato visual (Striano, 2001), mostram-se gradativamente mais ativos nas interações mãe-bebê (Trevarthen, 2011) e, a partir dos dois meses, sobretudo, reagem contingentemente com sorrisos a comportamentos afetivos maternos (Mendes & Seidl-de-Moura, 2014). Tais evidências parecem reforçar a ideia de que nascem com predisposições e características herdadas que os capacitam aos primeiros contatos com outros indivíduos e trocas afetivas (Gerhard, 2017) e que passam a se desenvolver em função de crenças e valores do ambiente sociocultural (Keller & Kärtner, 2013).

Os totais encontrados quanto a trocas afetivas e média de trocas afetivas por díade indicaram que as mães, com variados comportamentos afetivos, promoveram trocas afetivas com respostas expressivas dos bebês. Nesse sentido, compreende-se que as mães contribuíram com seus comportamentos para a emergência do sorriso (Wörman et al., 2012), estabelecendo uma espécie de “conversa” com os bebês (Trevarthen, 2011; Gratier & Trevarthen, 2008).

A análise do número de turnos por díade indicou grande variabilidade na amostra, o que pode estar relacionado às características e tendências individuais das mães, já que se verificou certa homogeneidade em termos das variáveis sociodemográficas. Assim, algumas díades estabeleceram trocas com números menores de turnos, enquanto outras com quantitativo maior. A média do número de turnos por troca, 2,38 turnos, mostrou estar em acordo com o que aponta estudo anterior (Seidl-de-Moura et al., 2008), com médias de 2,13 para bebês com um mês e de 4,3 para bebês de cinco meses. Pondera-se que, no intervalo do processo de desenvolvimento decorrido (um a dois/três meses), pode não haver mudança significativa para o grau de complexidade (em número de turnos) das trocas afetivas. Cabe lembrar que, para a faixa etária estudada, não foram encontrados estudos avaliando a complexidade de interações ou trocas com base no número de turnos.

A identificação de trocas afetivas com três e quatro turnos indica intenção das mães de estimularem os bebês para obterem, como resposta, expressões emocionais, valendo-se de comportamentos afetivos simultâneos ou em sequência, durante o episódio de troca. Por outro lado, sinaliza que bebês de dois/três meses contribuem para o total de número de turnos e número de turnos por troca, indicando capacidade de responderem a comportamentos afetivos maternos e buscarem novas respostas afetivas (Dentz & Amorim, 2020).

A constatação de que a mãe foi o principal agente da iniciativa e promotora na quase totalidade das tentativas e trocas afetivas já foi apontada em estudos anteriores (Mendes & Seidl-de-Moura, 2014) e denota que com suas iniciativas e metas de socialização, a mãe estimula respostas em seus bebês. Já o bebê, ser responsável por uma parcela muito pequena das trocas (uma, com um sorriso), parece compatível com resultados encontrados para essa faixa de idade (Seidl-de-Moura et al., 2008). No entanto, sugere o início de um avanço em curso na tentativa de interagir socialmente, em acordo com as expectativas do meio.

Observou-se um potencial reduzido do bebê para tentar iniciar trocas afetivas, mas que, ao tentar uma comunicação, valeu-se do choro como recurso para ativar a atenção da mãe, apontando seu papel ativo nas trocas com adultos na faixa de idade estudada (Rochat, 2015; Neder et al., 2020). A ausência de tentativas de troca iniciadas por sorriso do bebê pode estar relacionada ao período do desenvolvimento em que se encontram, quando bebês ainda começam a aumentar o tempo em estado de alerta, a controlar mais a cabeça e direcionar o olhar e a atenção visual (Rochat, 2015).

O número expressivo de sorrisos dos bebês em resposta às mães encontrado na amostra assemelha-se a resultados de estudos que indicam aumento de frequência a partir dos dois meses, como reação a comportamentos afetivos maternos (Mendes & Seidl-de-Moura, 2014). Este resultado parece estar em conformidade com a discussão sobre o significado do sorriso, seu desenvolvimento e sua promoção por cuidadores primários.

Os comportamentos afetivos maternos promotores de trocas encontrados nas díades pareceram estar de acordo com o que a literatura apresenta quanto aos estímulos maternos à expressividade emocional dos bebês (Wefers et al., 2022; Keller & Otto, 2009). A frequência maior da fala pode ser vista como promotora de respostas expressivas dos bebês e como estratégia de regulação emocional (Wefers et al., 2022), quando mães não só tentam promover o sorriso, mas também conversar com a criança para identificar o motivo do choro, tratando-a como um parceiro capaz de interagir (Keller & Kärtner, 2013). O toque afetivo, o sorriso e o beijo, usados em conjunto com a fala, pareceram ter também por objetivo promover respostas expressivas dos bebês e responder afetivamente a eles. Nesse sentido, pode-se pensar que a disponibilidade das mães, ao estimular a expressividade emocional de seus bebês, traz implicações para o desenvolvimento destes, sobretudo o socioemocional.

A participação dos diferentes comportamentos maternos nas tentativas de troca manteve a distribuição do que se encontrou nas trocas, sendo a fala o mais preponderante e o sorriso o menos. Tal constatação pode indicar certo padrão de primazia na seleção de opções do repertório materno para participar de trocas afetivas com os(as) filhos(as) ainda bebês.

As metas de socialização de emoção encontradas priorizaram trajetórias de desenvolvimento dos filhos focadas na autonomia. Outro estudo brasileiro também realizado no Rio de Janeiro (Mendes et al., 2019) e em investigações feitas em outros ambientes urbanos, contemplando mães com níveis altos de escolaridade (Keller & Otto, 2009; Wefers et al., 2022) trouxeram metas semelhantes, de que a criança se torne emocionalmente independente, e autoconfiante na manifestação e vivência de suas emoções.

Ao mesmo tempo, as mães acreditaram ser seu papel oferecer à criança segurança emocional com proximidade emocional. As estratégias relatadas pelas mães parecem ser de se fazer presente, expressando carinho e afeto, mas também estimular a autonomia e a independência. Este achado pode ser associado ao obtido através da análise das observações e ser visto como estímulo à criança, desde bebê, para autonomia e expressão emocional.

A convergência nas metas de socialização de emoções das mães para os dois momentos da vida futura dos filhos apontando para a valorização de metas relacionadas à autonomia pode ser também associada ao nível de escolaridade das mães e ao ambiente sociocultural em que vivem. Esses resultados e os encontrados em ambientes urbanos em que o nível de escolaridade é alto (Keller & Otto, 2009; Mendes et al., 2019) indicam que essas variáveis parecem influenciar o conjunto de concepções e expectativas a respeito de como a criança deverá se desenvolver do ponto de vista emocional, no médio e longo prazo.

A ausência de correlação estatisticamente significativa entre as metas de socialização de emoções e as características das trocas afetivas entre mães e bebês pode estar relacionada à constituição da amostra, restrita a 20 participantes, com baixa variabilidade em variáveis de interesse, predominância de mães com alto nível de escolaridade e homogeneidade quanto ao local de residência. No entanto, foi constatada a participação ativa de bebês, o estímulo das mães à expressividade emocional dos filhos e o predomínio de metas de socialização emocional voltadas para autonomia, o que permite pensar em uma possível articulação entre estes resultados, ainda que não capturada pelos testes estatísticos no grupo estudado.

Considerações finais

O estudo das trocas afetivas mãe-bebê aos dois meses é relevante para o conhecimento do desenvolvimento emocional infantil, uma vez que nesse período há mudanças significativas na capacidade de bebês interagirem (Gratier & Trevarthen, 2008; Rochat, 2015) e nas trocas afetivas estabelecidas, refletindo-se nas expressões emocionais do bebê (Keller & Otto, 2009).

O debate sobre as metas maternas de socialização voltadas para emoções é de grande importância, pois ao se propor a compreender tais metas, leva-se em conta a especificidade cultural e as condições sociodemográficas da população estudada. Entende-se que diferentes valorizações interferem nas aquisições específicas deste período do desenvolvimento, associadas a significados diferenciados (Keller, 2018).

A literatura existente traz investigações (nacionais, inclusive), que trataram de (ou tangenciaram) trocas afetivas e de metas parentais de socialização, mas nenhuma foi identificada com foco em uma articulação entre esses fenômenos, especificamente para a faixa etária aqui estudada, implicando carência de publicações e evidências com as quais se pudesse refletir e contrastar os resultados encontrados nesse estudo. Pode-se pensar que tal lacuna se deva a ainda ser pouco considerado que bebês participem e iniciem trocas afetivas nessa faixa etária e que o contexto sociocultural possa interferir nesses fenômenos.

Com base nos resultados, pode-se destacar algumas contribuições, como a corroboração de: evidências existentes na literatura indicando a mãe como o agente da iniciativa e o promotor de tentativas e de trocas afetivas (Seidl-de-Moura et al., 2008), e relatos, para o momento do desenvolvimento estudado, da baixa frequência com que o bebê inicia trocas afetivas, e do número expressivo de sorrisos em resposta às mães, particularmente à fala. Por outro lado, os achados trazem evidências, particularmente quanto ao número de turnos, e de tentativas, na faixa de idade escolhida, sem ter sido encontrado estudo semelhante.

Resultados acerca das metas de socialização de emoções foram convergentes com outro estudo realizado no Rio de Janeiro (Mendes et al., 2019), o que também indica uma contribuição. As estratégias para alcançar metas desejadas diferem do que foi encontrado na literatura em contextos brasileiros, apresentando um contraponto. Seguindo-se, não se identificou discussão, em pesquisa anterior, sobre contrastes entre metas de socialização em dois momentos de vida com mães e bebês saudáveis.

Algumas limitações merecem ser destacadas, como o predomínio de mães com alto nível de escolaridade e a homogeneidade quanto ao local de residência. Novos estudos parecem ser necessários para o avanço das investigações, com uma amostra de participantes que permita a comparação entre grupos e variabilidade estatística significativa quanto a variáveis sociodemográficas (como: local de residência, nível de escolaridade, idade e cidade de criação da mãe), o que permitiria ampliar as análises, mas assegurando especificidade e robustez.

 Uma condição a comentar é a realização de apenas uma observação para cada díade, o que pode ser avaliado como redução da confiabilidade dos dados, ainda esse seja um aspecto do método passível de discussão e controvérsias. Considera-se a conveniência de futuras investigações com mais de uma observação por díade, em intervalo quinzenal ou mensal. Argumenta-se pela relevância de estudos observacionais longitudinais que permitam o acompanhamento das transformações nos processos estudados.

 Entende-se que este estudo se revestiu de valor teórico e prático, já que trouxe evidências a respeito e discutiu a importância das trocas afetivas entre mães e bebês aos dois/três meses e das metas de socialização de emoções, levando em conta o impacto do contexto sociocultural nesses fenômenos. É esperado que contribua para novas pesquisas e subsidie iniciativas voltadas para a qualidade das trocas afetivas entre mães e bebês, para a formação de profissionais que trabalham com gestantes e puérperas, e dos que, em creches e abrigos, atuam com os bebês.

 

 

Referências

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