HIPERTROFIA DA INFORMAÇÃO SOB A ÓTICA DOS CONCEITOS DE VERDADE E PÓS-
VERDADE
HYPERTROPHIC INFORMATION UNDER THE VIEW OF TRUTH AND POST-TRUTH
CONCEPTS
Denise Braga Sampaio¹
Henry Poncio Cruz de Oliveira
2
Maria da Luz Olegário
3
¹ Doutoranda em Ciência da Informação
(PPGCI/UFPB), Professora do Departamento de
Ciência da Informação da UFBA.
E-mail: denisebs23@gmail.com
2
Doutor em Ciência da Informação pela UNESP-
Marília, Professor do PPGCI/UFPB
E-mail: henry.poncio@gmail.com
3
Doutora em Educação pela UFPB, Professora do
PPGOA/UFPB
E-mail: daluzprof@gmail.com
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que não há conflito de interesses.
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Recebido em: 20/09/2019.
Revisado em: 01/10/2019.
Aceito em: 10/10/2019.
Como citar este artigo:
SAMPAIO, Denise Braga; OLIVEIRA, Henry
Poncio Cruz de; OLEGÁRIO, Maria da Luz.
Hipertrofia da informação sob a ótica dos
conceitos de verdade e pós-verdade.
Informação em Pauta, Fortaleza, v. 4, n.
especial, p. 9-30, nov. 2019. DOI:
https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.42597.9-30.
RESUMO
Desvela as relações existentes entre verdade,
pós-verdade e informação na perspectiva de
conceituar a hipertrofia da informação na
Ciência da Informação. Utiliza como aporte
metodológico a pesquisa exploratória,
bibliográfica e a análise conceitual de Walker e
Avant, como forma de responder às questões: o
que é hipertrofia da informação? Quais são suas
características e implicações em uma sociedade
dita informacional? Ampara-se nos seguintes
objetivos: criar um conceito, para a Ciência da
Informação, de hipertrofia da informação, e
analisar seu relacionamento com a verdade e a
pós-verdade. A análise mostra que a hipertrofia
da informação está intimamente ligada com a
pós-verdade e a constituição de fake news, ao
que se notaram em páginas verificadoras de
fatos (fact-cheking) classificações que se
tangenciam com o conceito, comprovando sua
congruência com o tema.
Palavras-chave: Pós-verdade. Informação. Fake
News. Hipertrofia da informação.
ABSTRACT
It reflects about the relationships between truth,
post-truth and information into the perspective
of conceptualizing information hypertrophy in
Information Science. It uses as methodology the
exploratory, bibliographical research and the
conceptual analysis of Walker and Avant, to
answer the questions: what is information
hypertrophy? What are its characteristics and
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
nov. 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.42597.9-30
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implications in a so-called informational society?
It is supported by the following objectives: to
create a concept, for Information Science, of
hypertrophic information, and to analyze its
relationship with truth and post-truth. The
analysis shows that information hypertrophy is
closely linked with post-truth and fake news
constitution, as noted in fact-checking pages
some classifications that tangent with the
concept, proving its congruence with the theme.
Keywords: Post-truth. Information. Fake News.
Hypertrophic information.
1 INTRODUÇÃO
A informação perpassa por todo o processo humano que compreende a história,
sobretudo a história registrada. Sua importância é patente desde a quebra do código
nazista, a partir de Alan Turing, até a cura de doenças, pelas descobertas científicas.
Passa também por pequenos eventos, como narrativa de fatos locais, que constituem
memórias individuais e coletivas. A informação é, portanto, não somente “seiva da
ciência” (LE COADIC, 2004), mas de um arranjo biossocial muito maior, pois
compreende a vida humana.
Destacamos, desnudando a temática aqui proposta, que a informação é a
matéria prima da verdade, que pode ser lapidada ao bel prazer do emissor. Por isso,
discussões sobre pós-verdade, fake news e mentira são cada vez mais pertinentes, dado
que a informação pulula, na atual sociedade, da multiplicidade de crenças, fatos e atos.
Ela nasce e se molda, ou, como sugere sua gênese, toma forma. Estar imergido na
Sociedade da Informação é entender a dinâmica existente entre essa matéria prima e os
processos desencadeados a partir da nossa interação com ela.
De posse dessas reflexões e do cenário que se descortina sob a perspectiva da
pós-verdade (DUNKER, et al., 2017), percebemos que a interação entre verdade, opinião
e público pertence a uma gica contemporânea de consumo desenfreado de
informações das mais diversas fontes, cujo filtro principal é a simplicidade de ‘exposição’
dos fatos, que não lhe assegura a qualidade. As redes sociais tornam-se, invariavelmente,
uma das principais fontes de consulta e exposição de notícias (CASADEI, 2013) e de
pareceres de pessoas não doutas no assunto, ou seja, informações são consumidas e
opiniões emitidas nestes ambientes, como um ciclo retroalimentado. Vale destacar que a
pós-verdade, como ver-se-á de forma mais explícita em sua referida seção, não se trata
de mera mentira, mas se constitui de artifícios diversos para comover pessoas e
mobilizar a opinião pública em prol de determinada ação ou ideologia. A pós-verdade
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está constituída tanto dessas mentiras ‘puras’, como de um conjunto de verdades
pensadamente ordenadas para estabelecer uma narrativa desejável. Um desses artifícios
é a própria informação, que, de seiva da verdade, pode tornar-se seiva também da pós-
verdade, em suas mais variadas formas de exposição, comportando-se como uma
infotoxina (PHILLIPS, 1996). Essa infotoxina pode gerar a hipertrofia da informação,
objeto de estudo deste trabalho.
Segundo o dicionário de etimologia chileno (RODRIGUEZ, 20--), ‘hipertrofia’ é
uma palavra cuja origem se deu no seio da medicina francesa, em 1819, resultado dos
componentes léxicos gregos υπερ (hypér), que significa “acima do normal”, “em excesso”
e τροφία (trophía), que se traduz em “alimentação”, “nutrição”. Literalmente, uma
sobrealimentação ou nutrição em excesso (RODRÍGUEZ, 20--). Na comunicação, a
hipertrofia da informação é citada por alguns autores, como Marques (et al., 2009);
Muniz Sodré (BARRETO, 2012); Künsch (2006); Almeida (2010); Ferrari (2005), no
entanto, na área de Ciência da Informação o tema é, ainda, pouco discutido. O que seria
essa hipertrofia da informação? Quais são suas características e implicações em uma
sociedade dita informacional? Diante destas questões, objetivamos, portanto, criar um
conceito, para a Ciência da Informação, sobre esta hipertrofia, extensivamente, analisar
seu relacionamento com a verdade e a pós-verdade.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa, sob o ponto de vista de seus objetivos, se caracteriza como
exploratória, dado que o produto gerado é a conceituação do termo ‘hipertrofia da
informação’, cuja variação é ‘informação hipertrófica’. Segundo Prodanov e Freitas
(2013, p. 51), a pesquisa exploratória trata de investigação em “[...] fase preliminar, [e
tem] como finalidade proporcionar mais informações sobre o assunto [...] possibilitando
sua definição e delineamento [...]. Assume, em geral, as formas de pesquisa bibliográfica
e estudo de caso”. Segundo Gil (2008, p. 27).
As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver,
esclarecer e modificar conceito e ideias [...] são desenvolvidas com o objetivo de
proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato.
Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é
pouco explorado [...]
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A conceituação do termo, dentro da Ciência da Informação (CI), faz-se necessária,
primeiramente, por se tratar de uma anomalia do objeto de estudo da área, mas também
por compor um processo hodierno de manipulação das informações (e notícias), em
uma sociedade pautada na pós-verdade advinda de interações ciberativistas e
passionais. Para melhor apreender este contexto, o estudo se valeu,
complementarmente, de levantamento bibliográfico a respeito das interações entre
verdade, pós-verdade e informação em livros, sobretudo da área de filosofia, e artigos da
área de comunicação e CI (especialmente no Portal de Periódicos da Capes), com uso dos
termos ‘verdade’, ‘pós-verdade’, fake news’, fact-chekinge “hipertrofia da informação”
(com aspas duplas). Esta última palavra não obteve nenhum resultado na plataforma, no
entanto, ao se buscar pelo termo no Google, obtiveram-se 26 resultados, todos, apenas
citando o termo, mas não o conceituando.
Como o objetivo central é a criação de um conceito, na Ciência da Informação,
para a hipertrofia da informação, utiliza-se neste estudo a análise conceitual,
entendendo que
Um conceito é uma ideia ou construção mental elaborada acerca de um
fenômeno. São termos referentes aos fenômenos que ocorrem na natureza ou
no pensamento. São representações cognitivas, abstratas, de uma realidade
perceptível formada por experiências diretas ou indiretas. Os conceitos podem
ser empíricos ou concretos (observados pelos sentidos) ou abstratos (não
observáveis). Sua função primária é permitir que indivíduos possam descrever
situações e se comunicar efetivamente (FERNANDES et al., 2011, p. 1151).
A análise conceitual, na perspectiva de Walker e Avant (apud FERNANDES,
2011), obedece a oito passos que ajudam a entender melhor dado conceito. São eles:
Quadro 1 - Passos da Análise Conceitual e aplicação
Passos
Conceitos dos passos
Passos da pesquisa segundo
método
(1) seleção do conceito
deve refletir o tópico ou a área de maior
interesse, sendo recomendável a escolha
de um conceito que esteja ligado à área
de experiência profissional (prática,
pesquisa, ensino, administração) e que
tenha despertado atenção e preocupação
na pessoa.
Hipertrofia da informação
(2) determinação dos
objetivos da análise
conceitual
finalidade da análise conceitual que se
pretende realizar
Conceituar hipertrofia da
Informação na CI
(3) identificação dos
possíveis usos do
conceito
busca na literatura para se ter uma ideia
de como o conceito em questão está
sendo enfocado ou aplicado
Buscas exploratórias nos campos
de Comunicação e Ciência da
Informação
(4) determinação dos
atributos críticos ou
se identificam palavras ou expressões
que aparecem repetidamente na
Será apresentado na
apresentação e discussão dos
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Passos
Conceitos dos passos
Passos da pesquisa segundo
método
essenciais
literatura, que mostram a essência do
conceito.
Esses atributos constituem
características que expressam o
conceito, as quais atuam como elementos
para diagnósticos diferenciais, isto é,
para discriminar o que é uma expressão
do conceito daquilo que não é. Nos casos
em que o conceito é muito abstrato, os
seus atributos, geralmente, têm também
alto grau de abstração.
resultados
(5) construção de um
caso modelo
elaboração de um exemplo, baseado na
vida real, do uso do conceito, que inclua
seus
atributos essenciais.
Será visto na apresentação e
discussão dos resultados
(6) desenvolvimento
de outros casos
limítrofes, relacionados, contrários
inventados e ilegítimos. Servem para
auxiliar na decisão quanto aos atributos
essenciais do conceito. Entre esses casos,
chamamos atenção para dois deles que,
no nosso entendimento, melhor
cumprem a meta ora exposta: o caso
contrário e o caso limítrofe. O caso
contrário provê exemplo do “não
conceito”. o caso limítrofe, constitui
aquele evento ou instância que contém
alguns dos atributos essenciais do
conceito sob análise, mas não todos eles.
Será visto na apresentação e
discussão dos resultados
(7) Identificação de
antecedentes e
consequências do
conceito
levantamento de incidentes ou eventos
que acontecem a priori ao fenômeno
(necessários para a sua ocorrência) e a
posteriori (eventos ou situações que
surgem ou resultam da presença do
fenômeno).
Desenvolvido no referencial
teórico do trabalho
(8) Definição de
referências empíricas
para os atributos
essenciais
referentes empíricos são categorias ou
classes de fenômenos observáveis que,
quando presentes, demonstram a
ocorrência do conceito, possibilitando,
assim, sua definição operacional. Em
muitos casos, os atributos são idênticos
às referências empíricas. Quando os
conceitos são abstratos (autoestima,
tristeza), seus indicadores empíricos não
são diretamente observáveis, dependem
de medidas indiretas.
-
Fonte: baseado em FERNANDES (2011).
Para melhor entender o conceito de hipertrofia da informação em uma sociedade
pós-verdadeira, é necessário que se revisite a filosofia clássica e a moderna, em suas
discussões sobre verdade, mentira e o contemporâneo entendimento de pós-verdade,
advindo do campo político e de comunicação.
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3 PERCEPÇÕES FILOSÓFICAS E POLÍTICAS SOBRE O CONCEITO DE VERDADE,
MENTIRA E PÓS VERDADE
Falar sobre verdade é fazer um exercício filosófico. Tal termo passou, ao longo do
tempo, por diferentes conceituações, teorias e divisões. Um esboço da concepção de
verdade pode ser visto em Platão, no mito da caverna (COSTA, 2010), em que a verdade
se descortina na liberdade, com o romper dos grilhões e afastamento do mundo visto
pelas sombras, para o mundo visto na perspectiva da luz. Essa iluminação é contemplada
no mundo das ideias, mundo este onde os vícios e os subterfúgios não poderiam ofuscar
os sentidos, com a expressão plena dos objetos como se apresentam. Para Platão, é na
ideia que se desvela a verdade. Ela é a própria luz. Estar iluminado, portanto, não é a
mais fácil das tarefas. Por esse motivo, aquele que conseguiu desbravar o que havia além
da caverna, na tentativa de mostrar o que vira a seus companheiros, acaba
desacreditado e ameaçada é a sua vida. Isso ocorre porque a verdade que se revela pelos
olhos de outrem torna-se uma ruptura inaceitável àquilo que antes era a expressão mais
plena do mundo, um mundo visto pelos olhos treinados para enxergar somente
sombras.
A visão platônica abriu horizontes para entender a verdade de forma metafísica,
transcendendo a experiência sensível, por meio da racionalização. dois mundos
separados no pensamento de Platão: o mundo das aparências, ligado a todos os enganos
provenientes da ordem da sensibilidade, e o mundo das Ideias, ligado à ordem da
verdade. Em suma, a ordem da sensibilidade diz respeito às experiências singulares dos
mais diversos indivíduos que se voltam para a realidade sempre em conformidade com
suas paixões ou interesses, como ocorre atualmente, com o que chamaremos de pós-
verdade (SALZTRAGER; LOURENÇO, 2017). Essa forma de pensar a verdade foi base
para o conceito de Heidegger, que associa a verdade com a liberdade.
A tarefa desse homem liberto [o que sai da caverna] não é cil, pois ele se
encontra no risco de perder-se no interior da caverna pelo simples motivo de
ser atraído, puxado pela verdade que aí vige e serve de medida para todos.
Outro risco corre ainda ele, que é aquele relacionado à revolta dos que
acreditam que o que serve de medida no interior da caverna é o que aparece
para eles como o mais desvelado, de modo que o homem liberto ‘está ameaçado
pela possibilidade de ser morto’ (COSTA, 2010, p. 217).
Ou seja, essa liberdade é ameaçada não somente pelo outro, mas pela própria
fragilidade do ser humano frente àquilo que lhe é natural, que lhe é comum, habitual. Há,
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então, uma relação constante entre velar e desvelar, entre trevas e luz, entre o
conhecido e o novo que se desnuda nessa luz. O ser humano, quando confrontado com o
novo, tende a recusá-lo em um primeiro momento, para então acei-lo. A esse
respeito, na perspectiva do universo ideal de Platão, é pertinente a assertiva de Bauman
(2012, p. 8), de que “é da natureza das ideias que elas nasçam como heresias
perturbadoras e morram como ortodoxias aborrecidas”. A ideia de que fala Bauman não
é perfeita, idealizada e eterna, como em Platão, mas descontínua. Ela é própria de uma
sociedade que imerge na liquidez. No entanto, a resistência ao novo é tanto presente
para os que estavam presos na caverna mitológica de Platão porque o novo, ou a
verdade revelada, neste caso, pode ser assustador, quebrando modelos, rompendo com
costumes até então consagrados como em nossa contemporaneidade.
Para filósofos como Foucault e Benjamim, a verdade é contextual. Foucault
entende a verdade como relacionada aos jogos de poder, sobretudo às narrativas das
histórias oficiais, enquanto Benjamim entende que a verdade é composta por camadas
(SALZTRAGER; LOURENÇO, 2017). No campo das ciências, a verdade está relacionada
àquilo que comprovadamente não pode ser refutado. Tal entendimento vem do princípio
da falseabilidade de Popper (1980). Este princípio versa que uma teoria é incorporada à
ciência na medida em que não é refutada a partir de experimentos verificadores de sua
invalidade. Exemplo disso, a lei da gravidade assevera que orbita sobre a terra uma
força, chamada de gravidade, que puxa os corpos para seu centro e, ignorando-se a força
do ar, todo corpo tende a cair, sempre que arremessado ou solto. Este experimento pode
ser verificado em qualquer parte do globo terrestre, conferindo sempre o mesmo
resultado: o encontro do objeto com o chão.
Segundo Descartes (1987), todo o ser humano possui bom senso, que é ter “a
capacidade de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso” (DESCARTES, 1987, p.30).
Ele assevera que o uso da razão faz com que o aluno alcance o conhecimento da verdade,
sem seguir as autoridades escolásticas, por meio da dúvida e do questionamento
(WATANABE; SOARES, 2011). Descartes, a partir de então, passou a distinguir o
verdadeiro do falso considerando como verdadeiro tudo quanto pudesse ser conhecido
de modo claro e distinto, e julgando falso tudo quanto não o pudesse (DESCARTES,
1987). Como é possível determinar esta clareza e esta distinção? O autor apresenta
(DESCARTES apud VILELA; IZIDORO, 2013) algumas ações que podem levar o sujeito à
verdade: (a) dúvida metódica; (b) análise; (c) síntese; (d) revisão.
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Segundo a Teoria da Correspondência, proposta por Tarski (2007), uma
proposição é verdadeira se ela corresponde à realidade, se o que ela afirma de fato é
uma proposição, um juízo ou uma sentença. É verdadeiro se, e somente se, reflete a
realidade. para os adeptos da filosofia da ação, como Nietzsche (ARENDT, 2014), a
verdade tem caráter utilitário, não contemplativo. Deste modo, a verdade, “[...] qualquer
que seja o campo a que pertença, é verdadeira pela sua efetiva utilidade, ou seja, por
ser útil para estender o conhecimento ou para, por meio deste, estender o domínio do
homem sobre a natureza, ou então por ser útil à solidariedade e à ordem do mundo
humano” (ABBAGNANO, 2007, p. 998).
Essas perspectivas desveladas pelos filósofos são um importante caminho para se
pensar não mais em verdade, mas verdades que se descortinam sob diferentes
metodologias, a depender do instituto que as defenda. Por isso, Arendt (2014) denomina
a verdade metafísica de Platão de verdade filosófica, enquanto a verdade científica, para
alcançar tal status, necessita de experimentações, método científico, comprovação e
aceitação por pares para ter validade. No campo da política, esta advém de fatos, e
Arendt (2014) a chama de verdade fatual. A autora entende que, na Modernidade, tal
verdade inexiste, por sua constante ameaça, que a fluidez dos processos e os jogos de
poder inserem sobre ela.
3.1 Verdade, mentira e opinião na Modernidade
O movimento de transição da Tradição para a Modernidade se deu por rupturas
paradigmáticas de inversões de valores e pela crise da autoridade (ARENDT, 2014).
Nietzsche (2007), um dos autores referência para este período e, como afirma Belo
(1994), extemporâneo, entende a verdade, entre outras coisas, como objetivo do
conhecimento e uma forma de ilusão, um valor, produzida pelo intelecto. O intelecto
humano difere mulheres e homens dos demais animais, conferindo-lhes a capacidade de
adaptação às situações, por meio da cognição. “O intelecto é um meio de conservação do
indivíduo, para o manter, para conservar os mais fracos; desenvolve as suas forças
capitais [...]” (BELO,1994, p. 214). Assim, na concepção nietzschiana, é da natureza
humana a dissimulação. Esta serve para conferir aos mais fracos as armas necessárias à
sobrevivência. Vale destacar que a visão de Nietzsche não carrega ideais maniqueístas
que filósofos como Platão e Heidegger defendem, sob uma divisão engessada entre bem
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e mal, certo e errado. Para Nietzsche, o que move um sujeito a falar a verdade não é ela
em si, mas as suas consequências, quando comparadas à mentira. Por existir uma moral
que defende a verdade como sendo melhor aceita que a mentira, opta-se por ela em
favor de suas benesses, não pelo ideal do ‘fazer o bem’ por meio da honestidade e da
verdade.
A perspectiva nietzschiana (BELO, 1994) obedece a três paradigmas, (1) a do
animal que luta pela vida; (2) a do conhecimento e, por fim; (3) a da linguagem. Segundo
Belo (1994), em sua releitura do filósofo alemão, o primeiro paradigma diz respeito ao
uso da dissimulação e da ilusão para garantir a sobrevivência, sendo estas duas ações
precursoras da verdade. Neste sentido, emular, disfarçar-se, criar arapucas para
capturar uma caça, fingir-se de morto, ou fingir-se adequado a determinada situação em
que ser minoria é ameaça são alguns dos subterfúgios utilizados para garantir essa
manutenção da vida. O paradigma do conhecimento pode ser melhor entendido nas
palavras de Camargo (2008, p. 98):
A vontade de verdade é a busca metafísica por um fundamento último para o
conhecimento, é acreditar que através da razão e das construções intelectuais
se atinge uma espécie de verdade primordial. A vontade de engano é a maneira
como Nietzsche enxerga esta vontade de verdade. O filósofo entende a razão e
as demais construções intelectuais como construções históricas e, neste
sentido, suas proposições são chamadas de falsas mas entende que uma
necessidade de se acreditar em tais falsificações como se fossem verdades. Esta
é a ilusão necessária que Nietzsche chama de vontade de engano. A vontade de
verdade, a busca da verdade e a crença nesta verdade decorrem da necessidade
de se acreditar nas construções históricas e culturais, ou seja, decorre da
vontade de engano.
Por fim, o paradigma da linguagem diz respeito à arbitrariedade da palavra. A
linguagem (NIETZSCHE, 2007) possui dois estágios, um individual e anárquico e outro
social, determinado sob estruturas de poder. A palavra, nessa perspectiva, é constituída
de forma normalizante, metafórica em relação ao objeto, hierarquizada e uniforme. “É a
semântica social que traz consigo a lei e a verdade” (BELO, 1994, p. 219). Por esse
motivo, Nietzsche, valendo-se de Kant, acredita que, por meio da palavra, não se pode
chegar à verdade, dado que esta é, substancialmente, a coisa em si. Ora, se a palavra é
temporal, culturalmente construída e espacialmente limitada, a verdade o pode ser
expressa por ela, não como universalizante
i
.
Tais questões evidenciam o caráter dinâmico das sociedades e instituições que a
compõem. Como falar, então, sobre uma ideia de verdade? Para Nietzsche (2007), a
sociedade, em suas formas de poder, obriga os sujeitos a mentir, “[...] o homem mente
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inconscientemente, segundo costumes centenários, costumes de longo tempo [...] [o
sentimento de verdade é o sentimento] de ser obrigado a designar [...] ao que busca a lei”
(BELO, 1994, p. 234) conforme uma convenção consolidada, mentir em rebanho num
estilo a todos obrigatório” (NIETZSCHE, 2007, p. 37).
Diante disso, o autor se pergunta então qual o impulso para a verdade e o que
seria ela. Ele mesmo responde ao afirmar que a verdade é:
Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma
soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente,
transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas,
canônicas, e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o
são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que
perderam sua efígie e agora entram em consideração como metal, não mais
como moedas (NIETZSCHE, 2007, p. 36-37).
A verdade, então, seria uma ilusão massificante, ligada a uma vontade de
potência, a um impulso. A vontade de potência é a necessidade da vida de exercer ações
para emancipar-se, uma dessas ações pode ser a dominação do outro. Ser verdadeiro,
honesto, é, então, uma forma de colocar-se em posição superior em relação àquele que
mente, dado que o honesto não precisa mentir para sobreviver, e a moral (socialmente
construída e aceita) o coloca nessa posição de superioridade.
[...] em trabalhos posteriores, o autor [...] investiga a ligação da verdade com o
medo, ou seja, com a necessidade de manter uma realidade, um ‘mundo
verdadeiro’, por trás da aparência. A vontade de verdade seria, então, a busca
incessante pela calma e segurança de uma estrutura fixa de ‘realidade’ para se
opor ao mundo impossível de se perceber corretamente - seria uma maneira de
viver quando já não se tem vontade de potência, a coragem para encarar o
mundo de frente, com todas as suas dúvidas e desafios (SIQUEIRA, 2014, não
paginado).
Vale destacar, ainda sobre Nietzsche (2007), que o autor categoriza a verdade sob
três tipos: as verdades agradáveis, (conservadoras da vida e desejadas pelo homem); as
verdades puras ou sem consequências (que pode ser entendidas como conhecimento) e
as verdades prejudiciais, ou destruidoras. Neste ponto, fica evidente o caráter funcional
que se atribui à verdade. As verdades destruidoras, aquelas que causam rupturas
dolorosas às estruturas de poder, são, invariavelmente, invisibilizadas ou aniquiladas,
enquanto as demais são estimuladas a aparecer para manter a ordem estabelecida, dado
que a verdade só pode valer enquanto atendente às convenções que a sustentam e à lei.
Arendt (2014) faz duras críticas à visão utilitarista de Nietzsche. A autora
defende que a verdade existe, mas passa por uma crise atrelada à crise da autoridade. A
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ascensão da política burguesa na sociedade, a crise na educação e a massificação da
opinião pública abalam as estruturas de verdade, fazendo valer a forma em desfavor do
conteúdo. Para Arendt (2014), a relativizações da verdade, transformação da verdade
fatual em opinião e da opinião em fato, bem como a desqualificação de autoridades, são
as principais fontes de destruição da verdade na Modernidade em que viveu a autora e
hodiernamente.
A verdade fatual (ARENDT, 2014), residente no campo da política, não como sua
coparticipe, mas como uma inquilina indesejada e escondida que, quando aparece, é
desmoralizada, se inoportuna. Isso ocorre com grande força na modernidade, em que a
mentira se institucionaliza na política e toma proporções e status de organizada
(ARENDT, 2014). A mentira organizada reside na ação, assim como tudo que diz respeito
à política, e tem por objetivo mudar uma realidade ao bel prazer do seu portador. O
perigo da mentira está, entre outras coisas, na construção de narrativas históricas
enviesadas.
3.2 Pós-verdade
O termo ‘pós-verdade’ (em inglês, post-truth) ganhou destaque em 2016, sendo
apontado como a palavra do ano pelo Dicionário Oxford, graças às eleições americanas
do referido período, ocasião em que se elegeu presidente o empresário Donald Trump. O
termo é apontado, pelo Oxford, como “a circunstância em que fatos objetivos têm menos
influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões
pessoais” (BOLER; DAVIS, 2018, p. 75). A pós-verdade é a efetivação e ampliação do que
destacara Hanna Arendt (2014) sobre a crise da verdade. Os fatos são preteridos pelo
sentimento desperto ou pelo desejo de despertar sentimentos nos interlocutores.
Acerca disso, Christian Dunker et al. (2017, p. 17) elencam em ‘Ética e pós-
verdade’:
O relativismo cultural da verdade foi subitamente invertido pelo real da guerra
ao terror. A tolerância religiosa inverte-se na perseguição aos mulçumanos [...]
em 2011, a verdade das armas químicas que justificavam o ataque ao Iraque
mostrou-se uma ficção. O fato de que presidentes e agências de Estado
pratiquem mentiras técnicas como essa, retóricas [...], jurídicas (como a
corrupção dentro da lei), apenas replica a maquiagem de balanços (que estava
por trás das bolhas imobiliárias de 2008) e o cinismo como discurso básico do
espaço público e da vida laboral.
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A autoridade do Estado e seu status de portador da verdade são postos em xeque
pela descoberta da população a respeito destes e de outros pontos de influência das
narrativas oficiais, como forma de comoção da opinião pública para que esta apoie
determinadas ações importantes política e economicamente para os EUA, mas que, de
forma ‘crua’, o seriam aceitas pelo povo. Era necessário gerar empatia pela causa e
antipatia pelo que se punha como empecilho. Apesar de o termo ter sido posto em
destaque recentemente, tal prática é antiga, sobretudo ao rememorarmos a
historiografia, permeada por maniqueísmos e construção dos heróis e dos vilões (LE
GOFF, 1990) como forma de inspiração do orgulho nacional.
Atualmente, a pós-verdade ganhou força com a popularização das redes sociais. A
troca de informações, constituição de diálogos em tempo real, de forma incorpórea, e a
possibilidade de replicação exponencial são um forte motor da pós-verdade. Nesse
sentido, as eleições americanas de 2016 geram, até hoje, debates acalorados, uma vez
que investigações apontam o uso de robôs artificialmente inteligentes, desenvolvidos na
Rússia, que replicavam desinformação nas redes sociais como forma de gerar emoção e
comoção na opinião pública americana (BOLER; DAVIS, 2018). A proliferação de
desinformação gerou um ambiente de insegurança e descrédito das mídias (BOLER;
DAVIS 2018). O que fora verdade em dado momento, ou vendido como tal, em outro
momento passa a não mais valer. Como afirma Dunker (2017, p. 19), “a pós-verdade é
antes de tudo uma verdade contextual, que não pode ser escrita, posta no bolso e
reapresentada amanhã, como garantia de fidelidade, compromisso ou esperança gerada
pela palavra”.
No contexto da pós-verdade, o discurso atua como elemento principal das
narrativas em detrimento do que se enuncia. O ‘como’ deve ser atraente, independente
de o ‘quê’ se diz, “surge assim uma espécie de avaliação permanente da retórica
empregada, que induz e valoriza declarações impactantes e menosprezo por autoridades
ou especialistas que possam desmenti-la” (DUNKER, 2017, p. 24). Nesse sentido, a
estética é mais importante do que o conteúdo. Este contexto tornou-se propício à
proliferação das fake news. Ora, se uma crise nas instituições ‘detentoras’ da verdade,
então todos tanto podem buscar como produzir suas próprias verdades. O discurso pós-
verdadeiro, para ecoar tais ‘verdades’, se vale de três traços, destacados por Dunker
(2017): a recusa do outro, uma retórica icônica e, por fim, a vida em formato de
demanda. Resumidamente, discursos de invisibilização ou recusa do outro são
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produzidos e reproduzidos com apelo imagético e linguístico (vídeos, sons, memes,
textos curtos) em pacotes de informação rapidamente consumíveis e, geralmente,
ambíguos.
A necessidade da velocidade de consumo das informações faz padecer outra
necessidade, a da qualidade da informação. Nesse sentido, as anomalias informacionais,
como em um processo de metástase, dominam as infovias e multiplicam-se como
desinformação qualificada por sua forma atraente. Nesse cenário, as fake news são
absorvidas pelos leitores de forma acrítica e replicadas rapidamente.
A pós verdade transfere a autoridade da ciência e do jornalismo sério para a
produção e as opiniões criando certos efeitos [...] nada mais tentador que pular
os dados técnicos, os detalhes e as incertezas de um problema real com uma
boa opinião de conjunto, ainda mais se ela for sancionada pela ‘razão universal’,
que limpa o terreno e dispensa de considerar certos ângulos adicionais e
excessivos [...]” (DUNKER, 2017, p. 39).
Balém (2017) entende a fake news como uma mentira em forma de notícia. O foco
das fake news são os cidadãos comuns e sua principal função é mexer com a emoção
destas pessoas, tanto gerando hate speech (discurso de ódio), como uma imagem
positiva do ator central da notícia, que pode ser um personagem, um grupo político, uma
instituição ou ideologia. As fake news, segundo Wardle (2017), são divididas em sete
categorias: (1) sátira ou paródia, (2) falsa conexão, (3) conteúdo enganoso, (4) falso
contexto, (5) conteúdo impostor, (6) conteúdo manipulado, (7) conteúdo fabricado. Para
a Agência Lupa
ii
, especialista em checagem de fatos (fact-cheking) e signatária da
International Fact-cheking Network
iii
(IFCN), as notícias são classificas em: verdadeira;
verdadeira, mas, ainda é cedo para dizer; exagerada; contraditória; insustentável; falsa;
de olho. Enquanto a Aos Fatos
iv
, também signatária da IFCN, classifica em: exagerada,
imprecisa, verdadeira e falsa. Essas divisões são importantes, pois mostram possíveis
relações da informação com o grau de verdade ou inverdade das notícias. Essas relações
são ligadas pelo grau de anomalia da informação, que tanto pode ser hipertrófica, como
pura desinformação.
4 ACEPÇÕES DA INFORMAÇÃO E DE SUA HIPERTROFIA NA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO: ASPECTOS CONCEITUAIS E POLÍTICOS
Para melhor entender a verdade, é necessário que retornemos à afirmação que
fizemos na introdução, de que a informação é sua matéria-prima. Esta assertiva é, no
primeiro momento, perigosa, mas necessária à discussão. Revisando a etimologia da
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palavra informação, temos que esta deriva do verbo em latim informare/informatio, cujo
significado é dar forma ou colocar em forma (MESSIAS, 2005). A informação, a partir de
sua etimologia, pode ser entendida como uma exteriorização, sob determinada forma,
inteligível a outrem. É, nesse sentido, tornar tangível e acessível algo outrora velado não
a quem possui a informação, mas a quem se pretende expor. Voltando ao mito da
caverna, é a enunciação do sujeito que narra aos seus colegas de morada o que vira, mas
não somente ela em si, é também o processo.
Se considerar-se que o homem se utiliza da informação e da comunicação para
travar relações entre si e o meio em que vive, pode-se inferir que a informação
pode dubiamente representar o momento em que o homem delimita o
pensamento/ideia (substância imaterial) e molda-o, transmuda-o para uma
forma simbólica, capaz de ser apreendida e comunicada. Paralelamente, indica
o “conteúdo” propriamente dito da mensagem, nesse sentido, tem-se que a
informação é o resultado do ato de informar (conteúdo) e o próprio ato (forma)
(MESSIAS, 2005, p. 21).
O ato de informar é carregado de símbolos, da perspectiva do emissor e do
repertório cultural e ideológico que o permeia. Mas não é mera representação, ela é, “[...]
mais precisamente, a articulação de uma compreensão pragmática de um mundo
comum compartilhado” (CAPURRO, 1992 apud GÓMEZ, 2002, p. 32). Esse entendimento
pressupõe que receptor e emissor devem compartilhar do mesmo repertório linguístico
para que haja intercâmbio de informações e de suportes que possibilitem esse
intercâmbio. Por exemplo, a inteligibilidade deste artigo para você que é possível
por compartilharmos do mesmo universo simbólico e linguístico e pela existência de
próteses comunicacionais, como a escrita e o suporte, no caso, o próprio artigo, que
tanto pode estar em meio eletrônico, como físico. Essa extensão da inteligência pela
materialização é uma das perspectivas de entendimento da informação. No entanto, a
informação não é isenta, pura e perfeita, como pensa o paradigma platônico da Ciência
da Informação (CAPURRO, 1985 apud GÓMEZ, 2002), e não o é justamente pela
falibilidade, pelos desejos e pela finitude de quem as apreende, o próprio ser humano,
além de seu caráter político (CAPURRO; HJORLAND, 2007). “A informação não é um
artefato estável e passivo, é interativa, coletiva e performativa. A informação é, portanto,
política na medida em que serve como meio para decidir em quem se pode, ou não
confiar [...]” (KLINGEL; BOYD, 2013, p. 989, tradução nossa
v
).
Pensando nisso, Demo (2000) assevera que a informação não é sinônimo de
conhecimento e que a oferta demasiada deste produto não implica em uma sociedade
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bem informada, muito pelo contrário. O pensamento de Demo é consoante com o
entendimento de neofilia, evidenciado por Almeida (2010), que trata do desejo
incontrolável pelo novo e por conhecer tudo. O autor entende que as informações, para
aplacar esse desejo pelo novo, são consumidas como pílulas, e que a humanidade se
torna dependente ‘química’ delas (ALMEIDA, 2010). Este processo de consumo anômalo
de informações pode gerar um comportamento informacional também anômalo, e o que
antes era entendido como constituinte da construção de conhecimentos passa a ser o da
atrofia do intelecto.
Paradoxalmente, vivemos na sociedade do conhecimento, sociedade
tecnológica ou sociedade da informação, mas, se informação é o princípio do
conhecimento, a hipertrofia da informação se traduz na incapacidade de
produção do conhecimento e, consequentemente, da experiência com o
conhecimento. Então, uma sociedade hipertrofiada pela informação é uma
sociedade atrofiada de experiência. A velocidade e a superficialidade com que a
informação é veiculada nos diferentes meios de comunicação (internet,
televisão, rádio, revistas) não permitem que a experiência aconteça (RANGEL,
2009, p. 222).
Complementa este raciocínio a enumeração das cinco características que
evidenciam o caráter manipulativo da informação, apontadas por Demo (2000, p. 40).
Primeiro, a sociedade continua bastante ‘desinformada’, seja porque lhe chega
tendencialmente informação residual, ou porque se lhe impõe
informação oficial, ou porque se entope atabalhoadamente. Segundo,
informação de classe superior e inferior, cuja variação está em função como
regra do poder aquisitivo de cada um. [...] Terceiro, abunda na praça
informação imbecilizante, seja por conta da distorção por vezes clamorosa, mas
igualmente pela exploração das futilidades da mídia [...] Quarto, a mídia está
muito distante de sua função pública, porque corresponde a um estilo afrontoso
de apropriação privada, dirigida por trâmites comerciais estritos. Não existe
qualquer controle público digno de nota que preserve os interesses do blico.
Sem recair na “censura”, sempre impertinente e no fundo equivocada, é preciso
que a sociedade possa pressionar adequadamente a mídia, para que os
interesses comerciais não sejam os únicos. Quinto, a potencialidade informativa
dos novos meios de comunicação está ainda presa a acessos elitistas, e quando
traduzida em teleducação, tende fortemente ao instrucionismo. Como bem
mostra igualmente a biologia, o instrucionismo é intrinsecamente
imbecilizante.
De posse dos conceitos acima, de informação, verdade, pós-verdade, pode-se
agora tecer o conceito de informação hipertrófica, ou hipertrofia da informação, a partir
do entendimento do termo “hipertrofia”, que já fora introduzido, mas que pode ser
melhor apreciado na seção que segue.
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5 UM CONCEITO DE HIPERTROFIA DA INFORMAÇÃO PARA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO
Na fisiologia, o termo hipertrofia significa uma adaptação das células e tecidos
diante de uma maior exigência de trabalho, seja fisiológica (esperada, normal) ou
patológica. No que tange aos nossos músculos, é quando a massa muscular total
aumenta, daí chama-se hipertrofia muscular (HALL; GUYTON, 2017). Hipertrofia, desta
forma, é o “crescimento de um órgão ou tecido [...] causado pelo aumento de tamanho
das células, enquanto a hiperplasia [...] é o crescimento anormal de um tecido, mas
produzido pelo aumento do número de células, não por seu tamanho” (RODRÍGUEZ, 20--
, não paginado). A hiperplasia é também conhecida como hipertrofia numérica. De posse
disso, ao se analisar o entendimento de hipertrofia da informação na Comunicação, tem-
se, de forma recorrente, a ideia de grande quantidade de informações. Nas palavras de
Guerra (2003, não paginado),
[...] hoje vivemos em um mundo de muitas conexões e poucos vínculos. Vivemos
os excessos da modernidade, informação, imagens, individualismo, com
hipertrofia da informação e atrofia do entendimento. Porque ‘de tantas árvores,
já não se consegue ver o bosque’.
Barreto (2012, não paginado) evidencia a crença de Muniz Sodré de que:
[...]a ‘hipertrofia da informação’ leva a um ‘desaparecimento da cultura’ e a uma
‘informação como mera quantidade ou dado’, resultando em uma ‘cultura como
produção mercantil’. De acordo com o homenageado, ‘o principal objetivo da
‘mídia’ atual é se apropriar do tempo do outro’, transformando-se em uma
‘mídia conectiva, mas não informativa.
Künsch (2006) crê que a hipertrofia da informação está ligada à necessidade
de tudo ver (onividência), de estar em toda parte (onipresença), sendo, as pessoas,
assediadas por câmeras, imagens, informações. O ser humano, em suas palavras, torna-
se um devorador dessas imagens, um “devorador devorado [...] De tanto ver, às vezes,
não vemos” (KÜNSCH, 2006, p. 41).
Os autores acima convergem no entendimento de uma oferta e consumo
exagerados de informação, ou, utilizando-se da alusão de Almeida (2010), - da
informação como pílula - uma superdosagem. Como toda superdosagem, o consumo
exagerado de informações causa o efeito oposto do que versa suas recomendações. O
que era seiva do conhecimento e da verdade torna-se fonte de ignorância e falsas
certezas. O processo de dúvida e crítica é posto de lado em nome da velocidade e da
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facilidade de apreensão, gerando o que Almeida (2010) chama de ‘bulimia intelectual’,
como se fossemos acometidos pelo que o autor chama de Síndrome de Fausto (desejo de
conhecer tudo). A forma de manter este vício é pela atualização constante de
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) que propiciem uma gama maior de
informações, em tempo hábil, fazendo os aplicativos e páginas de portais serem
executados de forma ótima, mesmo que nosso processamento intelectual não
acompanhe o processamento das máquinas. Nesse sentido, a hipertrofia da informação,
a priori, pode ser entendida como a manifestação assediante e em grande escala de
informações e meios para sua propagação em consonância com o desejo de seu
consumo. Essa ideia de quantidade parece ser mais aproximativa do entendimento de
hiperplasia (ou hipertrofia numérica) do que de hipertrofia, ao se levar em consideração
as informações como células, dado que a hipertrofia é o aumento da célula, que faz
aumentar o órgão, e não o aumento do conjunto de células.
A partir disso, outra possibilidade conceitual para o termo, tomando por base
o entendimento primário e biológico de hipertrofia, no sentido não de várias
informações, mas de uma única que é construída de forma imoderada. A hipertrofia da
informação, nesse sentido, seria a construção da narrativa de um fato de forma
hiperbólica e sensacionalista, não se constituindo em mentira, ou fake news, mas no fato
em si, cuja possibilidade futura soe nebulosa, implicando em ação necessária do
interlocutor. Exemplos, os mais diversos, podem ser verificados na rede, como na greve
da Polícia Militar (PM) do Estado do Ceará, deflagrada em 2012, perto do réveillon de
Fortaleza, um dos maiores do país.
Relatos de violência, verdadeiros ou não, difundiram-se pelas redes sociais,
sobretudo no Twitter. Vídeos de crimes de anos anteriores e fotos de
ocorrências em outros estados foram difundidos como se fossem no Ceará.
Houve também ocorrências reais. O POVO confirmou ter havido arrastões na
Vila Velha, no Henrique Jorge e na Varjota. Comerciantes fecharam as lojas mais
cedo. [...] Havia rumores de arrastões - não confirmados - em municípios
vizinhos, como Acarape e Barreira. No dia 3 de janeiro, a crise chegou ao ápice.
Boatos que começaram no dia anterior se massificaram em redes sociais e no
boca-a-boca da população. O medo foi legitimado quando empresas e até
órgãos blicos começaram a fechar as portas por temor de arrastões. Feriado
informal foi instituído. Na Internet, imagens falsas mostrando ações de
criminosos na Cidade se multiplicavam. Avenida ficaram desertas em pleno
segundo dia útil do ano. Supermercados, hospitais colégios, restaurantes,
academias, lotéricas, consultórios médicos, bancas de revista e padarias, cada
minuto um novo estabelecimento supostamente era tima dos criminosos. O
que antes era uma queda de braço entre Governo e manifestantes passou a ter
impactos econômicos e sociais. No fim da tarde, poucos estabelecimentos se
mantiveram abertos. [...] A insatisfação com o impasse tomou conta da
população e foi determinante para que o governador Cid Gomes cedesse e
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aceitasse as reivindicações impostas pelo comando de greve (CAVALCANTE;
FIRMO, [2018]).
Percebe-se, pelo relato acima, que, além da circulação massiva de fake news,
outro ponto culminante para a preocupação da população foi a possibilidade de
acontecerem os arrastões, e não sua efetivação. Essa possibilidade vem da existência da
greve dos policiais que, em teoria, desemboca nesse tipo de crime. Exemplo semelhante
e recente foi o da paralisação dos caminhoneiros (ocorrido em 2018). O fato de estes
pararem seus veículos nas rodovias, com a retenção dos produtos, gerou na população o
medo de que faltassem mercadorias nas prateleiras dos supermercados, o que a fez
estocar gêneros alimentícios e combustíveis. Nenhum veículo oficial de comunicação ou
a imprensa recomendou que as pessoas aderissem a tal prática, no entanto, a
possibilidade de esgotamento gerou a efetiva carência, tanto de gasolina, como de
determinados alimentos, além dela, a circulação de notícias falsas
vi
. A hipertrofia da
informação, portanto, apoia e é apoiada pela geração de fake news. Ambas atuam para
que a população aja em resposta a um acontecimento de potencial interferência em sua
vida. O fato é narrado dentro da possibilidade de caos (hipertrofia da informação) e se
consuma a necessidade de ação por meio de notícias falsas (fake news). Em suma, a
hipertrofia da informação, nesse sentido, é uma forma de espetacularização pautada em
especulação.
Sítios que trabalham com a checagem de fatos já classificam fake news dessa
natureza em suas verificações, mesmo que de forma indireta, como é o caso da Agência
Lula. Nela, pode-se perceber a hipertrofia da informação nas etiquetas: informação
exagerada (notícias cujas informações estão no caminho correto, mas há exagero); ainda
é cedo para dizer (a informação pode vir a ser verdadeira, mas ainda não é) e
insustentável (quando não dados públicos que comprovem a veracidade da
informação). Na página Aos fatos, a etiqueta que evidencia a hipertrofia da informação,
também de forma indireta, é a de conteúdo ‘exagerado’. Interessante destacar o uso
destas etiquetas (ou tags) como forma de evidenciar que as notícias que compõem as
fake news não são formadas exclusivamente por fatos inexistentes, mas pelo
enviesamento de fatos. Esses enviesamentos passam despercebidos na medida em que o
leitor apresenta pouca familiaridade com estratégias e ferramentas de checagem de
fatos, bem como pela oferta massiva de informações diversas a respeito de outros temas,
ou do mesmo tema, mas que tratam de desdobramentos diferentes. A hipertrofia da
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informação passa despercebida por seus leitores, dado que a hiperplasia de informações
(ou hipertrofia numérica da informação), atrelada à neofilia, dificulta uma apreciação
cautelosa do que se lê.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ambas as hipertrofias, a espetacularizada e a numérica (hiperplasia),
demonstram a fragilidade e inabilidade com que as pessoas lidam com a informação,
mesmo em uma sociedade dita informacional. A informação, insumo para o
conhecimento e para a verdade, torna-se, neste contexto, uma ferramenta de
manipulação, quando em seu estado anômalo ou quando utilizado em hiperdosagem.
Este produto, portanto, na atual sociedade, comporta-se como um pharmakon, que tanto
tem a capacidade de curar a ignorância como promovê-la.
O desafio está justamente em como perceber a informação nos ambientes e
espaços de comunicação. Não é à toa que estudos a respeito do tema fake news têm
surgido no meio científico, e propagandas a respeito de seu combate têm aparecido nos
meios de comunicação de massa, como a televisão
vii
. Outros atores comunicacionais,
como o WhatsApp
viii
, têm se preocupado com a temática, elaborando políticas de
combate à fake news e incentivando usuários a pensarem formas de evitar sua
propagação, bem como de elaborar estratégias que podem ser utilizadas de forma
automatizada.
Para além dessas reflexões, o olhar atento, investigativo e perspicaz, antes da
replicação é, ainda hoje, o método mais eficaz de não propagação de notícias falsas. Esta
forma de ação se por meio da educação dos consumidores e produtores de
informação. A hipertrofia da informação é apenas uma das anomalias informacionais
que a atual sociedade enfrenta. O analfabetismo informacional e digital e o acirramento
político são outras formas de dificuldade que as pessoas encontram e que tornam a
internet espaço propício à propagação das fake news.
Esse campo de estudo é, nesse sentido, terreno fértil para a Ciência da
Informação, que tanto pode desvelar este universo por uma abordagem tecno-social da
interação dos usuários com esses replicadores de informações falsas, como pela
abordagem da genuinamente social, a partir do estudo do comportamento dos usuários
de redes sociais e suas habilidades frente a informações anômalas.
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http://www.seer.ufu.br/index.php/Educaca
oFilosofia. Acesso em: 11 jun. 2018.
NOTAS
i
A mesma fragilidade é percebida ao se falar no conhecimento como fonte da verdade. Basta revisitar a ciência em suas descobertas e
seus paradigmas, evidenciados por Kuhn (1998). A ciência normal de outrora não se compara com a ciência moderna, tanto pelos
processos, quanto pelas ferramentas utilizadas para que as descobertas sejam feitas. O átomo como esfera indivisível já não atende à
química atual, tampouco, a ideia de homossexualidade é tida hoje como patologia.
ii
Ver em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/. Acesso em: 10 out. 2018.
iii
Ver em: https://www.youracclaim.com/badges/57582456-db4d-4541-beb0-eeb05d8ada75. Acesso em: 10 out. 2018.
iv
Ver em: https://aosfatos.org/. Acesso em: 10 out. 2018.
v
Texto original: Information is not a stable, passive artifact in accounts from our participants; it is interactive, collective, and
performative. Information is thus political in that it serves as the means of deciding who can be trusted and who cannot, who is a
member and who is not
vi
Matéria G1 dia 24 maio 2018. Ver em: https://g1.globo.com/economia/noticia/estoquem-comida-abastecam-seus-carros-
noticias-falsas-alimentam-panico-em-meio-a-greve-de-caminhoneiros.ghtml.
vii
Ver mais em: Link de acesso. Acesso em: 23 ago. 2016.
viii
Ver mais em: Link de acesso. Acesso em: 23 ago. 2016.