NECESSIDADES INFORMACIONAIS DE IDOSOS EM BIBLIOTECAS
COMUNITÁRIAS: estudo realizado em uma biblioteca no município de
Fortaleza, Ceará
INFORMATION NEEDS OF ELDERLY IN LIBRARIES COMMUNITIES: a
study carried out in a library in the municipality of Fortaleza, Ceará
Ana Pricila Celedônio da Silva
UFC
Maria de Fátima Oliveira Costa
UFC
Lídia Eugenia Cavalcante
UFC
RESUMO
Apresenta estudo acerca das necessidades informacionais de idosos em contextos locais, tendo
como objeto de estudo um grupo de idosos moradores do entorno da Biblioteca Comunitária
Criança Feliz, localizada no Bairro Jardim Iracema, na cidade de Fortaleza, Ceará. Foram realizadas
discussões teóricas acerca das temáticas: biblioteca comunitária, necessidades informacionais e,
ainda, sobre idosos. No que tange à metodologia, a pesquisa possui abordagem qualitativa,
exploratória e descritiva. Dentre os instrumentos de coleta de dados utilizados, valeu-se da
entrevista semiestruturada e da pesquisa participativa, por meio da realização de roda de conversa
e dinâmicas com os idosos. Para análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo e o modelo
Everyday Life Information Seeking (ELIS) concebido por Savolainen (1995). O estudo revelou que
as necessidades informacionais do grupo estudado estão relacionadas principalmente às questões
do cotidiano, como transportes e saúde. Constatou-se, ainda, a necessidade de que a biblioteca,
lócus desta pesquisa, realize estudos de usuários com periodicidade que contemplem todos os
públicos pertencentes à comunidade, inclusive os idosos, para assim atuar de forma inclusiva e
democrática.
Palavras-chave: Biblioteca Comunitária. Necessidades de Informação. Necessidades
Informacionais de Idosos. Biblioteca Comunitária Criança Feliz.
ABSTRACT
It presents a study about the informational needs of the elderly in local contexts, with the object of
study being a group of elderly people living near the Biblioteca ComunitáriaCriança Feliz, located in
Jardim Iracema neighborhood, in the city of Fortaleza, Ceará. Theoretical discussions about the
themes were: community library, informational needs and, also, about the elderly. Regarding the
methodology, the research has a qualitative, exploratory and descriptive approach. Among the data
collection instruments used, we used the semi-structured interview and the participatory research,
by means of a conversation wheel and dynamics with the elderly. To analyze the data, we used the
content analysis and the Everyday Life Information Seeking (ELIS) model conceived by Savolainen
(1995). The study revealed that the informational needs of the group studied are mainly related to
everyday issues such as transportation and health. It was also verified the need for the library,
locus of this research, to carry out studies of users with periodicity that contemplate all the public
belonging to the community, including the elderly, in order to act in an inclusive and democratic
way.
Keywords: Community Library. Information Needs. Information Needs of the elderly. Community
library Criança Feliz.
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 2
número especial
out. 2017
ARTIGO
Silva; Costa; Cavalcante | Necessidades informacionais de idosos
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 2, número especial, out. 2017
ARTIGO
1 INTRODUÇÃO
As bibliotecas comunitárias têm tido papel singular no que se refere à
democratização do acesso à leitura e à informação em contextos locais no Brasil. Esses
espaços são oriundos de inciativas populares, localizadas em zonas periféricas ou rurais
que, de modo geral, encontram-se distantes das bibliotecas públicas estaduais e
municipais ou de outros equipamentos públicos e culturais mantidos pelo governo.
Surgem, em muitos casos, justamente do desejo dessas comunidades de terem acesso à
biblioteca, à leitura, ao livro e à informação.
Para que a biblioteca comunitária possa cumprir seu objetivo de democratizar o
acesso à informação, no local onde está inserida, torna-se imperativo conhecer as
necessidades informacionais dos indivíduos da comunidade, incluindo os diversos
grupos que fazem parte da mesma, como por exemplo, os grupos da terceira idade.
Na literatura da área foram localizados muitos trabalhos voltados para estudos
de usuários em que suas temáticas concentram-se nas necessidades informacionais de
um determinado grupo. Entretanto, no âmbito dos estudos das bibliotecas comunitárias,
pesquisas sobre necessidades informacionais são, ainda, escassas.
No presente estudo, a preocupação recai sobre as necessidades informacionais de
idosos em contextos locais e sobre como as bibliotecas comunitárias têm se portado em
relação a esse público. Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo: identificar as
necessidades de informação de um grupo de idosos, moradores do entorno da Biblioteca
Comunitária Criança Feliz (BCCF), localizada no bairro Jardim Iracema, na cidade de
Fortaleza, Ceará.
As necessidades informacionais da população idosa encontram-se ligadas a
diversas possibilidades, especialmente relacionadas ao cotidiano, vida profissional, lazer
e saúde, dentre outras. Todavia, neste estudo, -se ênfase às demandas de informação
dos idosos com relação ao seu contexto cotidiano e, para isso, se recorreu ao modelo
Everyday Life Information Seeking (ELIS) concebido por Savolainen (1995).
2 BIBLIOTECA COMUNITÁRIA: conceito e características
A biblioteca comunitária possui características que a diferenciam de outros tipos
de biblioteca. Essas singularidades são identificadas por Machado (2008) como: a forma
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de constituição, visto que são formadas e criadas pela comunidade a que pertencem; o
combate conjunto à exclusão informacional como forma de possibilitar a igualdade e
justiça social; o processo de articulação dos indivíduos da comunidade; a localização
dentro de uma comunidade; e o fato de não estarem ligadas diretamente a órgãos
governamentais.
Machado (2008, p.64) sintetiza essas características ao definir a biblioteca
comunitária como:
Um projeto social que tem por objetivo estabelecer-se como uma entidade
autônoma, sem vínculo direto com instituições governamentais, articuladas
com as instâncias públicas e privadas locais, liderados por um grupo
organizado de pessoas, com o objetivo comum de ampliar o acesso da
comunidade à informação, a leitura e ao livro, com vistas a sua emancipação
social.
Assim, podem-se observar como características intrínsecas e indissociáveis da
biblioteca comunitária, a gestão autônoma e participativa e a democratização do acesso
à leitura e à informação. Esses espaços, segundo Alves, Salcedo e Correa (2016, p.41),
são [...] uma expressão nítida desse processo que busca por meio da leitura e ação
cultural fomentar a educação dos moradores da região como forma de incluí-los no
espaço social e oferecer a oportunidade de estabelecimento de sua cidadania. ”
É possível ver imbricada à concepção e aos objetivos que regem a biblioteca
comunitária uma forte função social, e a busca pela inclusão informacional reafirma essa
função. A biblioteca comunitária, quando torna-se efetiva nessa busca, pode contribuir
junto à comunidade na qual está inserida, em diversos aspectos, como no auxílio à
tomada de decisões relativas a solução de problemas do cotidiano; na colaboração
informacional à implantação de pequenos negócios; no fortalecimento de associações,
sindicatos e cooperativas; ajudando a resolver problemas jurídicos etc. de modo a
contribuir com o desenvolvimento local e a qualidade de vida das pessoas
(CAVALCANTE, 2014).
Os tipos de serviços oferecidos nesses espaços estão muitas vezes ligados a ações
de fomento à leitura e atividades culturais. Machado (2008) identifica algumas
atividades realizadas no âmbito dessas bibliotecas, sendo elas: a mediação de leitura,
saraus literários, cursos de capacitação e aperfeiçoamento, palestras, seminários,
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concursos de poesia, oficinas de artesanatos, além de serviços como empréstimo de
livros, acesso à internet e pesquisa local.
No que se refere aos usuários, Machado (2008) indica que, em geral, as
bibliotecas comunitárias se mobilizam em esforço conjunto para atender às
necessidades educacionais e culturais da comunidade, o que envolve, então, crianças,
jovens, adultos e idosos. Entretanto, a autora chama a atenção que, em alguns casos,
essas bibliotecas podem desenvolver atividades focadas em um grupo específico, como
crianças ou idosos, devido a alguma particularidade da comunidade.
Para ir ao encontro das necessidades educacionais e culturais da comunidade,
torna-se necessário conhecer o que a comunidade como um todo (independente do ciclo
de vida em que seus indivíduos se encontram), necessita em termos de informação.
Além disso, é preciso ter em perspectiva que os fluxos informacionais presentes nesses
contextos podem possuir características bastante distintas, pois é importante ter em
mente que “pensar as demandas informacionais das comunidades locais é aferir a elas
novas formas de mediação. ” (CAVALCANTE, 2014, p. 261).
Um ponto a se destacar sobre os usuários de bibliotecas comunitárias é que estes
são “[...] tão híbridos em suas demandas quanto às informações que desejam receber e
às muitas que podem produzir sobre seus contextos, memórias e identidades
comunitárias.” (CAVALCANTE, 2014, p. 262). Ou seja, diferente de outros tipos de
bibliotecas, as necessidades e demandas desses usuários poderão ser bastante diversas,
podendo ir desde questões educacionais, como respostas para uma tarefa escolar, como
ao atendimento de demandas mais complexas e do cotidiano relacionadas a saúde,
trabalho, lazer, etc.
O caráter autônomo proporcionado pela gestão participativa comunitária desses
espaços informacionais, que é uma das principais características dessas bibliotecas,
auxilia e a torna mais livre para seguir esse processo dialógico. Diferente de bibliotecas
ligadas a órgãos governamentais, por exemplo, a biblioteca pública, as comunitárias
possuem a liberdade de seguir um projeto político social criado de forma dinâmica e
construído levando-se em consideração o seu contexto social e as necessidades de seus
indivíduos.
Sob essas circunstâncias, entende-se que os estudos de usuários em contextos
como o das bibliotecas comunitárias são imprescindíveis para que alcancem seu objetivo
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de inclusão, ressaltando que esses estudos contemplem também os grupos de terceira
idade.
3 AS NECESSIDADES INFORMACIONAIS E OS IDOSOS
Definir o que seria necessidade parece ser uma tarefa bastante complexa, visto
que o seu significado evoca diversos entendimentos. Porém, se acrescentarmos o termo
informacional, adotamos assim uma especificação do tipo de necessidade a qual nos
referimos, esclarecendo e delimitando a perspectiva que pretendemos estudar.
Cunha, Amaral e Dantas (2015) iniciam sua obra acerca dos estudos de usuários
da informação, refletindo que a informação faz parte do cotidiano de todas as pessoas.
Ela é necessária quando precisamos nos locomover, fazer compras, tomar uma decisão
nos ambientes de trabalho, de negócio, etc., ou seja, necessitamos de informação a todo
momento. Os autores, alertam, entretanto, que é certo que os indivíduos precisam de
informação, [...] mas, cada ser humano é um universo único e vive de modo diverso o
seu ciclo de vida. Em cada idade, em cada profissão, em cada momento, as pessoas
podem precisar de informações diferentes. ”
Para Figueiredo (1994) as necessidades informacionais podem ser
compreendidas de duas maneiras, uma em função do conhecimento, que seria a
necessidade que resulta do desejo de saber. E a necessidade de informação em função da
ação, que pode ser entendida como a necessidade para a realização de atividades
humanas, profissionais e pessoais.
Le Coadic (2004) apresenta algumas tipologias de necessidades de informação, as
quais o autor divide em função: do conhecimento, que se origina no desejo de saber; da
ação, que surge devido a necessidades de ordem materiais, profissionais, de
necessidades básicas, como comer, dormir, dentre outras; de necessidade humana,
quando a informação é necessária para satisfazer uma necessidade específica; dos
desejos, aquilo que o indivíduo gostaria de ter, podendo ou não estar relacionada às suas
necessidades; das demandas, aquilo que o indivíduo expressa e pede, o que indica que o
uso daquilo que está a exigir; e do uso, aquilo que o indivíduos utiliza no tocante a
informação.
A Pirâmide das Necessidades (Figura 1) desenvolvida por Barreto (2002),
inspirada pela pirâmide das necessidades humanas e comportamentos desenvolvida por
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Maslow, representa os níveis de necessidades informacionais dos indivíduos e o tipo de
informação necessária em cada vel. Observa-se na figura abaixo, a existência de duas
pirâmides, na primeira delas, encontra-se os três níveis de necessidades informacionais,
onde cada nível representa um estágio das necessidades informacionais, e a passagem
para cada nível ocorre apenas quando as demandas do estágio forem alcançadas. Na
base da pirâmide, estariam as necessidades básicas, como alimentação, moradia, saúde e
educação, e esse primeiro estágio, demanda informações do tipo utilitária. No segundo
nível da pirâmide, encontram-se as necessidades dos indivíduos de participação e a
permanência destes nos grupos que participam, como no trabalho ou na comunidade.
Nesse vel, são necessárias informações ligadas ao âmbito profissional, por exemplo.
No topo da pirâmide, depois de passar pelos dois primeiros veis, seriam necessárias
informações que conduza a reflexão, a realização pessoal e ao sucesso profissional,
demandando nesse último estágio, informações do tipo seletivas. Barreto (2002, p. 5-6),
comenta sobre os tipos de necessidades e os seus respectivos tipos de informação que,
A oferta de informação, ou seja, a estrutura dos estoques, relaciona-se à
demanda como uma pirâmide invertida, inversamente proporcional, em termos
quantitativos e qualitativos às posições da informação demandada,
configurando situações de racionamento e excedente de informação nos seus
extremos.
Figura 1 As necessidades informacionais e os estoques de informação
Fonte: Barreto (2002, p. 6).
Outra perspectiva acerca das necessidades informacionais é proposta por
Savolainen (1995), onde esse autor apresenta as necessidades e buscas informacionais a
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partir do contexto cotidiano, da vida diária. Em seu modelo Everyday Life Information
Seeking (ELIS), o autor ênfase à busca pela informação que acontece no dia a dia, que
é referente ao lazer, saúde, convívio social e locomoção, dentre outros aspectos. Se
relacionarmos à Pirâmide de Barreto (2002), poderíamos dizer que o tipo de informação
a qual Savolainen (1995) se refere seriam aquelas contidas na base, as necessidades
básicas que requerem informações do tipo utilitária. Segundo Savolainen (1995), os
estudos acerca deste tipo de necessidade informacional são muitas vezes ofuscados por
estudos voltados a informação para a área científica, profissional e de negócios. O
modelo de Savolainen (1995) pode ser visto na Figura 2.
No modelo de Savolainen (1995) são evidenciadas questões como ocupação do
tempo e vida diária, situações problemáticas relacionadas ao dia a dia dos indivíduos, e o
comportamento destes para solução desses problemas. O autor apresenta ainda, os
fatores situacionais que podem vir a influenciar nesses momentos, como o capital
financeiro, social, educacional e cultural dos indivíduos.
Figura 2 - Modelo Everyday Life Information Seeking (ELIS)
Fonte: Savolainen (1995).
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Diante dessas reflexões, como a população idosa se insere nesses estudos acerca
das necessidades informacionais? Será que o ciclo de vida em que os mesmos se
encontram influencia na forma como precisam de informação? Pires e Barreira (2015, p.
34) afirmam que em relação “à população idosa, as demandas de informação geralmente
estão relacionadas à obtenção de novos saberes e da necessidade de usar a informação
para realizar atividades do seu cotidiano.” Os autores refletem ainda que,
Torna-se importante destacar que o grupo social dos idosos, se encontra diante
de várias demandas informacionais no seu cotidiano, que nem sempre o
supridas, apesar de serem reconhecidas e que precisam de informação para a
solução de problemas de ordem pessoal, do conhecimento, de lazer, saúde e
voltadas para a sua interação social. (2015, p. 34).
Nessa mesma perspectiva, Costa e Silva (2011) discutem a importância de se
perceber que os grupos da terceira idade possuem demandas informacionais ligadas a
diversos contextos, e que é imperativo possibilitar à população idosa o acesso à
informação, para que possa estar apta a exercer sua cidadania de forma autônoma.
Com a aprovação do Estatuto do Idoso, em 2003, um novo olhar é dado com
relação a este grupo, que passa a ser visto como sujeito de direitos. Entretanto, os
preconceitos acerca do envelhecimento são ainda bastante presente em nossa
sociedade. Segundo Whitaker (2007, p. 180),
A sociedade precisa ser educada para compreender o envelhecimento sobre
esse novo prisma. Está na hora de repensar as atitudes que infantilizam o idoso
e o assistencialismo, que, principalmente nas camadas exploradas, trata-o como
indigente, transformando em esmola, ou favor, as poucas políticas públicas que
amenizam essa fase da existência, em relação às quais se configuram direitos
humanos estabelecidos como direitos sociais.
Lucca e Vitorino (2015, p. 7) observam que, por muito tempo “[...] o período da
velhice foi marcado pela decadência e incapacidade, porém atualmente percebemos que
esta camada da população tem conquistado qualidade de vida. Os autores afirmam
ainda que a denominação “idoso” tem sido rejeitada por esse grupo, pois a mesma é
muitas vezes carregada de significados que remetem a um sentido negativo. Segundo os
autores, a expressão “terceira idade” surge como reflexo de um desejo desses sujeitos de
serem vistos como indivíduos ativos, e que estão inseridos também em diversos círculos
e atividades sociais.
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Os idosos, assim como os demais cidadãos brasileiros, devem estar contemplados
nas políticas de acesso e inclusão educacional, informacional e digital. Porém, o
planejamento dessas ações muitas vezes segue formatos e padrões que desconsideram
fatores importantes como aspectos culturais, sociais e os interesses e necessidades
informacionais desses indivíduos.
Portanto, ao pensar as necessidades informacionais de indivíduos que se
encontram na chamada terceira idade, devemos levar em consideração que é necessário
evitar os estereótipos que envolvem esses grupos, que assim como os demais usuários
da informação, suas necessidades informacionais podem estar relacionadas, além do
quesito idade, também aos contextos e dinâmicas sociais nos quais estes indivíduos
estão envolvidos.
4 PERCURSOS METODOLÓGICOS
Os percursos metodológicos deste estudo tiveram como base a abordagem
qualitativa, tendo em vista uma reflexão crítica acerca da temática que envolve os
estudos das necessidades informacionais, como também pela intenção de uma análise
aprofundada do objeto de estudo.
Combinamos a utilização de dois tipos de pesquisa, a exploratória e a descritiva,
haja vista o imperativo de explorar conteúdos relacionados à temática aqui estudada e
pelo estudo das características de um grupo. Segundo Gil (2008, p. 44), as pesquisas
descritivas “juntamente com as pesquisas exploratórias, são as que habilmente realizam
os pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática. ”
Para coletar os dados necessários à pesquisa utilizamos dois instrumentos de
coleta de dados, o primeiro deles foi a entrevista do tipo semiestruturada, destinada à
gestora da biblioteca. As questões norteadoras da entrevista foram relacionadas
principalmente a aspectos como: o contexto histórico da unidade de informação, seus
serviços e, a caracterização do público que frequenta a biblioteca.
O segundo instrumento foi a pesquisa participativa através de roda de conversa e
dinâmicas. Este estudo de grupo aconteceu por meio de um encontro realizado na
biblioteca pesquisada, que contou com a participação de sete (7) idosos, moradores do
entorno da BCCF. Segundo Murani et al (2008, p. 114) [...] a utilização desse tipo de
técnica é bastante adequada à abordagem de grupos sociais atingidos coletivamente por
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fatos ou situações específicas. De acordo com os autores, oficinas, dinâmicas,
workshops, são exemplos de alguns tipos de estudos de grupos.
O planejamento, divulgação e aplicação dos instrumentos de coleta de dados
ocorreram no intervalo de tempo correspondente a um mês, envolvendo os meses de
outubro e novembro de 2016.
Tendo em vista os pressupostos da abordagem qualitativa, recorremos a técnica
da análise de conteúdo, para analisar os dados coletados na entrevista e na atividade
realizada na BCCF. Nessa metodologia de análise, deve-se ter por base uma definição
precisa dos objetivos da pesquisa realizada. Umas das técnicas mais utilizadas na análise
de conteúdo é a categorização, a qual se encontra entre as possibilidades [...] mais
rápida e eficaz, sempre que se aplique a conteúdos diretos (manifestos) e simples.
(RICHARDSON,1985, p. 243).
Como forma de analisar e apresentar a interpretação dos dados, utilizamos como
categorias as etapas do modelo Everyday Life Information Seeking (ELIS), concebido por
Savolainen (1995). As categorias observadas no modelo foram: ocupação do tempo e
vida diária, situações problemáticas, comportamento para solução dos problemas e os
fatores situacionais.
4.1 O LÓCUS DA PESQUISA: comunidade e biblioteca
O lócus de realização do estudo foi a Biblioteca Comunitária Criança Feliz (BCCF),
localizada no bairro Jardim Iracema, na cidade de Fortaleza-CE. De acordo com o
Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), o bairro onde está
situada a biblioteca possui aproximadamente 23.184 habitantes, onde 7% destes são de
pessoas acima dos sessenta e cinco anos de idade (IPECE, 2012).
A BCCF foi criada no ano de 1994, estando articulada ao Projeto Criança Feliz
(PROCIF), do bairro Jardim Iracema e também à Rede de Bibliotecas do Polo de Leitura
Jangada Literária, criada em 2012. O principal objetivo da BCCF é a democratização do
acesso ao livro, à leitura e à informação. Nesse intuito, a biblioteca oferece serviços de
empréstimos, mediações de leitura e, ainda, atividades externas à biblioteca, como: o
projeto Quero mais Leitura, o na Rua, o Projeto Comu-Lê e o Projeto Quintais com
Letrinhas.
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Segundo informações fornecidas pela gestão da biblioteca, estão cadastrados
cerca de 1070 usuários, com idade entre cinco e setenta anos. A maior parte do público
que costuma frequentar e realizar empréstimo na biblioteca são as crianças e os
adolescentes. Em relação ao público idoso, observa-se que a frequência ainda é
considerada baixa.
5 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS COLETADOS
De posse das informações colhidas junto a gestão da biblioteca e guiados pelo
objetivo de conhecer as necessidades informacionais dos idosos do entorno da BCCF,
organizamos e realizamos de forma conjunta a equipe gestora da instituição, a atividade
intitulada “Café com Leitura e Afeto”. A atividade contou com momentos de mediação de
leitura, roda de conversa e dinâmicas.
Durante a roda de conversa, buscamos, dentre outros aspectos, identificar em que
áreas da vida dos participantes, eles mais necessitam de informação. Solicitamos que
apresentassem exemplos de situações em que necessitaram de informação e como
costumam fazer para se informar. A maioria disse precisar de informações relacionadas
a saúde e para coisas específicas do cotidiano, como informações sobre locomoção e
transportes. Com relação a como eles fazem para se informar, alguns disseram que
quando necessitam de informação, perguntam às pessoas da família, outros que
assistem televisão, ouvem rádio ou procuram em algum livro.
Na dinâmica realizada, podemos identificar gostos e interesses dos participantes,
no intuito de compreender como a BCCF poderia trabalhar para realizar atividades e
serviços que atraiam o público idoso para a biblioteca. Nesse momento, foi possível
compreender que os principais interesses dos indivíduos do grupo envolvem atividades
com seus familiares, de cunho cultural e de leitura, e a participação em atividades do
Projeto Criança Feliz, como cursos de capacitação e atividades de grupo.
Os dados coletados nessa atividade em grupo nos possibilitaram perceber os
diversos aspectos envolvidos nas necessidades informacionais do grupo estudado. Para
analisar essas necessidades, seguimos os pontos estabelecidos no modelo de Savolainen
(1995), por meio dos quais identificamos quatro principais categorias de análise,
relacionadas a ocupação do tempo no cotidiano, situações problemáticas nas quais os
mesmos necessitaram de informação e de que forma solucionaram esses problemas, e
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ainda fatores que podem ter influenciado nesses processos. Logo a seguir,
apresentamos as categorias identificadas por meio da pesquisa.
Categoria 1 - Ocupação do tempo e vida diária
Acerca desse aspecto, identificamos que a maioria dos participantes da pesquisa
não possui ocupação profissional ou uma ocupação fixa de tempo referente ao trabalho.
Quanto ao cotidiano, compreendemos que os mesmos possuem atividades ligadas
principalmente ao ambiente familiar, e que alguns também costumam participar de
cursos e grupos de convivência do PROCIF. Muitos assumem também a responsabilidade
de cuidar dos netos, enquanto os pais das crianças encontram-se no trabalho, outros
dizem que assumem essa função em tempo integral, estes, se autodenominam muitas
vezes como pais desses netos.
Categoria 2 - Situações Problemáticas
No que se refere às situações-problemas apresentadas pelos participantes, os
mesmos recordaram situações ligadas à necessidade de informação para locomoção,
assim como outras ligadas a questões de saúde, como informações sobre medicamentos,
procedimentos médicos, dentre outros. Analisando, podemos inferir que o tipo de
informação necessária para o grupo em estudo seriam aquelas voltadas para as
necessidades básicas, que se encontram na base da Pirâmide de Barreto (2002),
correspondendo, segundo o autor, às informações de tipo utilitária.
Categoria 3 - Comportamento para solução dos problemas
Para solucionar os problemas, podemos identificar pela fala dos participantes e
das situações colocadas pelos mesmos, que a forma com que buscam se informar é
principalmente por meio de outras pessoas. A principal fonte de informação dos
mesmos é pelo diálogo com familiares, conhecidos ou pessoas ao seu redor. Entretanto,
podemos perceber o papel da televisão, rádio e livro sendo citados por eles como formas
de buscar e ter acesso à informação. Esse aspecto nos faz lembrar a reflexão de
Cavalcante (2014), de que a forma como o fluxo informacional acontece em contextos
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locais é diferente, muitas vezes, dos fluxos de outros âmbitos, como por exemplo, o
científico. Em contextos locais, a informação poderá estar imbricada em todo um
contexto dialógico, ela acontece também pelas trocas e interações cotidianas entre seus
moradores.
Categoria 4 - Fatores situacionais
Identificamos, ainda, alguns fatores que podem influenciar nas necessidades
informacionais e formas de busca da informação dos participantes do estudo. O primeiro
deles é o contexto social, a realidade em que vivem oferece muitas barreiras
informacionais para estes indivíduos. Por outro lado, podem também possibilitar
diálogos informacionais que oferecem também possibilidades de acesso à informação.
Evidenciamos a autoestima como outro fator, visto que percebemos na fala dos
participantes, que eles, muitas vezes, acreditaram que não conseguiriam aprender a
utilizar um dispositivo móvel ou a internet, por exemplo, porque, segundo os mesmos,
isto não estaria dentro de suas habilidades. Outro aspecto identificado na atividade foi a
barreira relacionada com a questão educacional. O fator da falta de tempo foi colocado
por um dos participantes. A rotina muitas vezes atribulada de cuidar dos netos e da
família exige tempo e dedicação, o que faz com que não tenham tempo para atividades
como leitura e lazer. O poder aquisitivo influencia também nesse processo, por exemplo,
um dos participantes do estudo afirma que se tivesse condições financeiras poderia
comprar dispositivos tecnológicos, como celular e computador para utilizá-lo quando
precisasse de informação.
Na tabela a seguir pode ser vista uma síntese dos resultados obtidos, segundo os
pontos do modelo de Savolainen (1995).
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Quadro 1 Análise das necessidades e fluxos informacionais segundo o modelo ELIS de Savolainen
(1995)
Ocupação do Tempo e Cotidiano
Situações problemáticas
Sem ocupação fixa profissional;
Participação em cursos e grupos do
PROCIF
Atividade relacionadas a família
Locomoção (localização, ônibus)
Saúde (medicamentos, consultas e
exames médicos)
Outras situações cotidianas
Comportamento para solução dos
problemas
Fatores Situacionais
Busca de informação com outras pessoas,
como familiares, amigos, vizinhos etc.
Assistir televisão, ouvir rádio, ler livros
Fator Socioeconômico
Autoestima
Educação
Tempo
Fonte: dados da pesquisa.
Pelo exposto, podemos compreender que as necessidades informacionais do
grupo de idosos estudado partem principalmente do cotidiano dos mesmos. Esses
indivíduos precisam, sobretudo, de informação para resolver questões do dia a dia, ou
seja, informação do tipo utilitária. Vimos que no cotidiano desses indivíduos existem
fatores e barreiras que podem dificultar o acesso à informação. Entretanto, essas
barreiras são superadas muitas vezes pelos diálogos possibilitados pela comunidade,
família e ações desenvolvidas por projetos sociais como o PROCIF.
Considerando esses aspectos, é necessário que a BCCF busque contemplar esse
público da comunidade em seus serviços e produtos oferecidos. O caminho para que isto
ocorra demanda que a biblioteca esteja atenta a esses processos dialógicos existentes no
interior da comunidade. Segundo Cavalcante (2014, p. 263) essas redes simbólicas de
troca de informação também constroem e dão novos significados às demandas
informacionais, que “para além das especificidades e complexidades desses usuários, no
interior das comunidades locais eles são híbridos e plurais porque senhores dos papéis
sociais que desempenham no interior de seus grupos.”
Em suma, o grupo estudado nos fez perceber que a BCCF se encontra diante de
necessidades informacionais bastante diversas, onde algumas delas são muitas vezes
simples de resolver; outras, por sua vez, demandam maiores esforços por parte da
gestão da biblioteca. O processo de inclusão informacional, o qual é colocado como
sendo o principal objetivo da biblioteca, para se tornar efetivo precisará contemplar os
diversos grupos existentes na comunidade, e é preciso compreender que cada grupo
revelará diferentes tipos de necessidades informacionais.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A forma como os fluxos informacionais ocorrem nas comunidades revelam,
muitas vezes, a criatividade e a pluralidade de maneiras encontradas por seus
indivíduos para se informar. A própria existência da biblioteca comunitária denuncia
que os moradores buscam formas alternativas para ter acesso à informação e à leitura.
Isto acontece porque os equipamentos públicos, como por exemplo, a biblioteca pública,
encontram-se distante tanto na localização, quanto pelas formas como oferecem
informação, que são, de modo geral, padronizadas, e que nem sempre correspondem às
demandas e necessidades informacionais de certos indivíduos.
Por estas razões, podemos identificar que as atividades e serviços oferecidos pela
BCCF envolvem diversas atividades de cunho cultural e informacional. Entretanto, essas
atividades são na maioria direcionadas ao blico infantil ou jovem, não sendo dada a
mesma relevância para o público adulto e idoso. A luta pela igualdade de oportunidade
no acesso à informação e à leitura às quais a biblioteca se propõe não pode deixar de
lado determinados grupos, ela precisa ser democrática e inclusiva.
Assim, a pesquisa nos possibilitou evidenciar que as necessidades de informação
dos participantes da pesquisa estão ligadas principalmente a questões do cotidiano,
como informações sobre saúde e locomoção. O intuito desta pesquisa foi o de por meio
da análise das informações fornecidas pelos participantes da atividade em grupo,
identificar a natureza das necessidades informacionais desses indivíduos, para ensejar
novas formas de estudo e atuação da biblioteca com relação ao público idoso da
comunidade.
O sentido dos estudos de usuários é justamente esse, o de descobrir o que os
usuários precisam no contexto informacional para, então, subsidiar o planejamento e
execução de ações que permitam a esses indivíduos o acesso à informação de que
precisam. Por meio do estudo realizado, acreditamos que ações como oficinas, palestras,
cursos e atividades culturais na BCCF podem fazer com que a população de moradores
adultos, em especial, os idosos, ampliem a visão que possuem acerca da biblioteca e do
seu papel junto à comunidade e, ao mesmo tempo, auxiliar para que a biblioteca possa
cumprir sua missão de democratizar o acesso à informação e à leitura.
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ARTIGO
AGRADECIMENTOS
Prestamos aqui nosso agradecimento, a Fundação Cearense de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), pelo financiamento desta pesquisa
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SOBRE OS AUTORES
Ana Pricila Caledônio da Silva
Mestranda em Ciência da Informação na Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: priceledonio@gmail.com
Maria de Fátima Oliveira Costa
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: fatima12oliveiracosta@gmail.com
Lídia Eugenia Cavalcante
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: cavalcantelidiaeugenia@gmail.com
Recebido em: 07/03/2017; Revisado em: 04/04/2017; Aceito em: 09/05/2017.
Como citar este artigo
SILVA, Ana Pricila Celedonio; COSTA, Maria de Fátima Oliveira; CAVALCANTE, Lidia Eugenia. Necessidades
informacionais de idosos em bibliotecas comunitárias: estudo realizado em uma biblioteca no município
de Fortaleza, Ceará. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 2, número especial, p. 29-46, out. 2017.