METAMORFOSE DA LÍNGUA: UM “OBSCURO” VERSO DA ENEIDA
Resumo
Este artigo discute um comentário de M. F. Quintiliano ao verso 1.109 da Eneida: perturbado por uma mistura desordenada de palavras, esse retor julga tal verso obscuro. Através das noções de obscuridade e de arte destinada especialmente ao olhar, ligamos (anacronicamente) essa discussão à estética barroca e a reflexões de Buci-Glucksmann e Deleuze. A fim de investigarmos a obscura ordem desse verso e julgar o comentário de Quintiliano, explicitamos aspectos da elaborada elocutio do episódio em que o verso se encontra (Eneida 1.92-117) e em seguida o examinamos em função de seu contexto; com isso, demonstramos que a metamorfose produzida com o hipérbato na Eneida 1.109 é funcional e eloquente e que o artifício empregado em sua elocutio forja uma espécie de anamorfose para o olhar de Quintiliano. Em outros termos, recorrendo a Deleuze, o obscuro verso seria uma “dobra” e seu contexto a “desdobra”, as quais evidenciam a Forma.
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